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  • Foto do escritorAlberto Moby Ribeiro da Silva

VIAJAR DE TREM

Atualizado: 21 de ago. de 2021

Como já disse antes, a primeira vez em que viajei na vida foi do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, com meus avós maternos, quando tinha cerca de 4 anos de idade. Foi uma viagem de trem – o famoso Vera Cruz (aqui, numa foto de 1990 de José Emílio Buzelin) – que partia às sextas-feiras e domingos do Rio de Janeiro, da estação Central do Brasil, às 20h15. Era uma composição formada por sete ou oito vagões, dependendo do volume de venda dos bilhetes. Na configuração básica, o trem viajava com um vagão para transporte de correspondência, um para bagagens, dois com poltronas para 76 passageiros cada, um em que funcionava o restaurante e dois com cabines para até quatro pessoas. Um vagão conhecido como salão-cauda, para 44 pessoas, poderia ser acoplado à composição.


Nessa viagem, eu e meus avós tivemos o privilégio de ocupar uma cabine de um dos dois vagões-leito. Não consigo imaginar o sacrifício que eles fizeram para extrair de seu parco orçamento o dinheiro para comprar a passagem de ida e volta naquele trem luxuoso. Mas garanto que a recompensa por esse sacrifício foi o meu amor à primeira vista, e incondicional, pelas viagens de trem. E o meu amor incondicional por eles.

No entanto, durante um longo intervalo de tempo andar de trem teve muito pouco a ver com essa experiência mágica da minha primeira infância. Na verdade, durante alguns anos as únicas viagens de trem que fiz foram as do transporte urbano de passageiros do Rio de Janeiro. Eu era morador do subúrbio carioca de Campo Grande, por onde passa a linha urbana 42, que liga o bairro de Santa Cruz, no limite oeste do município, ao centro da cidade. Essas viagens eram, eventualmente, visitar parentes, acompanhado de meus pais e irmãos; para ir ao colégio, em meados dos anos 1970; e, depois, para ir ao trabalho, no início da minha vida de trabalhador.

Acho que cabe registrar também aqui nessas memórias o “macaquinho”, que saía da estação de Santa Cruz, no município do Rio de Janeiro, com destino a Mangaratiba. A então já velha composição com vagões de madeira puxados por uma maria-fumaça fazia o percurso em cerca de três horas, cortando parte da chamada Costa Verde e parando em praias à época quase desertas e paradisíacas como Parada de Sahí, Ibicuy e Itacuruçá. Na adolescência, era o meu destino mais provável em qualquer feriadão. Qualquer das praias no trajeto era um bom destino. Além disso, a partir da estação final, em Mangaratiba, era possível tomar uma barca e (às vezes dividindo o espaço com novos condenados a cumprir pena no Instituto Penal Cândido Mendes) chegar à Ilha Grande, naquela época, a melhor expressão do paraíso.


Outro momento importante foi o do meu primeiro contato com o famoso trem que atravessa um trecho da Mata Atlântica entre Curitiba e Morretes, no Paraná. Atualmente operado pela Serra Verde Express, seu trajeto original ia até Paranaguá, 40km adiante, no litoral paranaense. É considerado um dos mais belos passeios turísticos de trem do mundo, mas o preço atual da passagem me parece muito alto (R$ 135,00 por pessoa - apenas ida). Não me lembro quanto paguei na primeira vez que fiz esse passeio, mas essa informação é irrelevante, já que foi muito tempo atrás, em 1978. Passeio que repeti duas outras vezes, com grandes intervalos de tempo, em 1991 e 2006, quando o trem já não tinha mais Paranaguá como destino final. De qualquer modo, passear no Trem da Mata Atlântica foi um tijolo bastante importante na consolidação da minha paixão por trens.


Mas inda iria levar um tempo pra que eu pudesse experimentar novamente a maravilhosa sensação de uma viagem de trem que fosse realmente uma viagem e não aquela experiência cotidiana, suburbana e pobre que os trens urbanos do Rio da minha época representavam ou passeios turísticos para aplacar a minha fome de trens.

Isso só foi acontecer em 1994, na minha primeira viagem à Europa. Foi uma viagem também noturna, como aquela da minha infância, de Paris a Barcelona, da qual não tenho nenhum registro, mas apenas memórias.

Lembro claramente de eu ter passado quase toda a viagem – e a noite – acordado, circulando pelos vagões do trem, como faria qualquer criança deslumbrada com o novo brinquedo (parte da qual contando com a parceria de Dilma, minha companheira à época). Lembro também muito nitidamente de um casal de “velhinhos” (talvez tão ou menos “velhos” do que eu sou hoje...) camponeses, analfabetos e que nunca tinham viajado de trem. De volta de uma primeira visita, se não me engano, a uma filha em Paris, o casal, lá pelas tantas da madrugada, não estava certo de já ter passado ou de estar perto de chegar à terra natal e me pedia ajuda. Naquela altura, meu espanhol era ainda bastante macarrônico. Some-se a isso o fato de que o casal era da região da Catalunha e que, portanto, misturava espanhol e catalão. Ainda assim, embora não me lembre do nome do lugar em que tinham que desembarcar, lembro de ter sido útil, o ajudando a descer no lugar certo, na hora certa e menos ansioso.

Mais outro hiato até 2007. Como, infelizmente, em função principalmente do transporte de minérios, a quase totalidade das linhas de ferro para passageiros no Brasil foi sucateada e desativada, pessoas que, como eu, cultivem o amor pelos trens têm muito pouca chance de realizar seus sonhos. Por isso (e dada a minha falta de grana), só em 2007, numa segunda viagem à Europa, voltei a viajar de trem. Dessa vez foram muitas as viagens, sendo a mais longa delas de Lisboa a Paris, com troca de trens, de uma composição da Comboios de Portugal (CP), em Hendaye, na fronteira entre a Espanha e a França, pelo rápido, moderno e confortável TGV (trem de alta velocidade - abaixo, em foto de Sebastian Terfloth, em 2005), da companhia francesa SNCF.


Depois dessa viagem felizmente vieram outras, para Portugal e França novamente, Espanha, Itália, Suíça, Alemanha... Aqui na América Latina é obrigatório registrar, no Peru, o encantador Vistadome, da empresa Peru Rail, que faz o trajeto de cerca de duas horas de Ollantaytambo a Machu Picchu Pueblo/Aguas Calientes (na foto abaixo, em 2018). Já perdi a conta – felizmente! – da quantidade e modelos de trens, dos trajetos, dos níveis de conforto, velocidades.


Por outro lado, nem consigo imaginar o quanto já gastei nessas viagens – sim, em média, as viagens de trem são mais caras (às vezes muito mais) que as viagens de ônibus. Em alguns casos, até uma viagem de avião pode ser mais barata. Já fiz, por exemplo, uma viagem de Paris a Lisboa por US$ 10, preço que seria impossível fazer de trem, a não ser que você tivesse o Eurail Pass.

É que estamos falando de amor. Quem ama não mede esforços. Além do mais, na maioria das vezes andar de trem é mais rápido, mais confortável, mais seguro e muito mais tranquilo. Além disso, entre outros benefícios, não há solavancos, você não enfrenta engarrafamentos, não há barulhos externos, o risco de acidentes é infinitamente menor e o espaço, em geral, é bem mais amplo.

Bem, deixei aqui o meu depoimento apaixonado. Se você nunca viajou de trem, ou tem uma experiência limitada com esse meio de transporte, espero ter deixado pelo menos a semente da curiosidade. E, pra matar a saudade de um tempo não vivido, em que centenas de linhas férreas cortavam o Brasil de norte a sul, deixo aqui essa trilha sonora.

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