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  • Foto do escritorAlberto Moby Ribeiro da Silva

LISBOA: ALFAMA

Atualizado: 14 de out. de 2022


Alfama é o mais antigo e um dos mais típicos bairros de Lisboa. Sua origem remonta à época em que os mouros – antigos habitantes árabes-berberes do Norte da África, de religião muçulmana – dominaram a Península Ibérica, do século VIII ao XI. O nome do bairro deriva do árabe al-hammam (banho), já que na época da ocupação moura existiam fontes termais de água quente no local, como, por exemplo, a do Largo do Chafariz de Dentro (abaixo), onde está localizado o Museu do Fado. (Falo dele mais abaixo.) É também o menor bairro da cidade e o que mais se parece a uma antiga aldeia medieval, não apenas pelo seu aspecto, mas também por abrigar uma comunidade relativamente pequena e próxima.

Embora Lisboa tenha sofrido terrivelmente com o forte terremoto de 1755, as casas do bairro de Alfama resistiram como que por milagre. Esta é a razão pela qual o bairro não tem a simetria da região da Baixa de Lisboa – também conhecida como Baixa Pombalina – que precisou ser totalmente reconstruída e onde o novo padrão urbanístico foi o de quarteirões formando ângulos retos. Acredita-se que Alfama resistiu por ter construções com alicerces fortes e estar nas colinas mais altas da cidade. Hoje, suas estreitas ruas são famosas não apenas pelo antigo casario que resistiu ao tempo, mas também pelos seus ótimos restaurantes, apresentações de fado, intensa vida noturna e vistas espetaculares de toda a cidade. E pelas roupas secando diante das fachadas dos prédios!

Os lugares de onde se tem as vistas mais espetaculares de Alfama estão no passeio público formado pelos miradouros das Portas do Sol, da Torre da Igreja de Santa Cruz do Castelo (a Torre mais alta de Lisboa antiga) e de Santa Luzia. Um pouco acima, ficam a colina e o Castelo de São Jorge, que foi fortaleza e palácio real até o século XVI, e a colina de São Vicente. Além do Castelo, os principais monumentos de Alfama são a Sé de Lisboa, a Igreja de Santo Estêvão e a Igreja de São Vicente de Fora.

Para chegar até Alfama, a forma mais tradicional e pitoresca é, sem dúvida, subir no elétrico 28 – Prazeres, um bondinho parecido com os que fazem o trajeto entre a Estação Carioca e a Estação Dois Irmãos, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. O percurso por ruas estreitas faz com que ainda permaneçam em circulação veículos antigos, cujas características originais e charme são, sem dúvida, uma atração turística a mais.

Também é possível percorrer o bairro a pé. Mas, neste caso, não se esqueça de que Alfama é um bairro localizado em uma colina e que, portanto, é preciso ter algum preparo físico para se acessar suas ruas mais altas.

Dito isto, vamos ao que interessa: um passeio por Alfama. Como já percorremos esse bairro algumas vezes, vou tentar mesclar experiências de momentos distintos, que não retratam um determinado percurso, mas uma síntese.


CASA DOS BICOS

Começo pela Casa dos Bicos, ainda na parte baixa do bairro. Construída por volta de 1523, a Casa dos Bicos foi erguida sobre a antiga muralha moura e num local onde nas últimas décadas foram identificados vestígios das épocas romana e medieval. Claramente influenciada pela arquitetura renascentista italiana, por orientação de seu proprietário, o nobre Brás de Albuquerque, a construção foi revestida de pedra aparelhada em forma de ponta de diamante, os tais “bicos” pelos quais é conhecida.

Originalmente, a Casa dos Bicos consistia de um edifício residencial de quatro andares, com loja, sobreloja e dois andares privados. No entanto, com o terremoto de 1755, a construção foi seriamente abalada, ruindo totalmente a parte traseira e os dois andares superiores, o que fez com que sofresse sucessivas modificações ao longo dos séculos.

Em 1983, por iniciativa do comissariado da XVII Exposição Europeia de Artes, Ciência e Cultura, foi efetivada uma reconstrução integral do edifício, ao mesmo tempo em que se realizavam escavações arqueológicas de reconhecimento do percurso vivencial do espaço. Nessa época, descobriu-se, por exemplo, que pelo local passava um trecho da antiga Cerca Moura, que foi destruída para que o edifício fosse construído. Foram também descobertos no seu interior vestígios de tanques de salga de pescado da época romana, uma torre da época medieval e pavimento mudéjar – estilo artístico e arquitetônico cristão ibérico com grande influência da cultura muçulmana.

Atualmente, funciona na Casa dos Bicos a Fundação José Saramago, que guarda a biblioteca do escritor, e uma exposição permanente sobre sua vida e obra. No térreo fica, desde 2014, o Núcleo Arqueológico do Museu da Cidade de Lisboa, com um acervo que percorre a história da cidade desde a ocupação romana até o século XVIII.


SÉ DE LISBOA

Seguindo pela Rua da Alfândega, no sentido oposto ao da Praça do Comércio, dobre à esquerda e atravesse o Arco de Jesus para alcançar a Rua de São João da Praça. Dobre à esquerda e siga por ela até encontrar a rua Cruzes da Sé, que tem, do lado direito, um dos paredões laterais da imensa Sé de Lisboa ou, oficialmente, Igreja de Santa Maria Maior.

Sua construção começou em 1147, quando D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, com a ajuda de combatentes da Segunda Cruzada, tomou a cidade dos mouros. Ao que tudo indica, ela foi construída sobre os escombros da antiga mesquita de Lisboa. O edifício, em estilo românico, só foi concluído nas primeiras décadas do século XIII.

A Sé sofreu diversas modificações e acréscimos através dos séculos. Foi decorada com vários monumentos e altares, cuja maioria se perdeu ou atualmente se encontra dispersa por outros imóveis. A capela-mor, por exemplo, abrigava o túmulo com as relíquias (restos mortais e objetos pessoais) de São Vicente, que foi decorado por volta de 1470 com um grande retábulo pintadoos chamados Painéis de São Vicente de Fora, atribuídos ao pintor oficial do rei D. Afonso V, Nuno Gonçalves. Esses painéis, considerados como obra-prima da pintura portuguesa do século XV, foram retirados da Sé em 1614 e atualmente fazem parte do acervo do Museu Nacional de Arte Antiga, junto com outras pinturas da Sé associadas a São Vicente.

Assim como a imensa maioria das construções de Lisboa, a Sé teve parte significativa destruída pelo grande terremoto de 1755. A Capela do Santíssimo, a torre sul e a decoração da capela-mor, incluindo os túmulos reais, e o claustro desmoronaram com o terremoto. A torre-lanterna ruiu parcialmente e destruiu parte da abóbada de pedra da nave, que foi reconstruída em madeira.

Ruina da Igreja de Santa Maria Maior após o terremoto de 1755

(Gravura de Jacques Philippe Le Bas, 1757)


Nas décadas seguintes a Sé passou por uma série de reformas e foi redecorada. As maiores alterações foram a reconstrução da Capela do Santíssimo, entre 1761 e 1785, a restauração da torre sul da fachada, entre 1769 e 1771 e a construção da cobertura de madeira da nave e remodelação da capela-mor. No começo do século XX, uma grande campanha de restauração promoveu a retirada de grande parte dos acréscimos barrocos da Sé, com o objetivo de devolver a ela sua aparência medieval. Foi reconstruída a abóbada da nave central, a fachada foi restaurada e refeita a rosácea, além de muitas outras alterações que deram a essa catedral a aparência neorromânica que ela tem até hoje. Após essas reformas, a Sé foi reinaugurada, em 1940, numa grande solenidade promovida pelo Estado Novo, que se serviu dela como instrumento de propaganda.


IGREJA DE SANTO ANTÓNIO DE LISBOA

Em frente à Sé, dividindo com ela o espaço do Largo da Sé, fica a Igreja de Santo António de Lisboa. Segundo a tradição, essa igreja foi construída sobre o local onde nasceu, em 15 de agosto de 1195, Santo Antônio, frei franciscano que saiu pelo mundo como pregador, tendo morrido em Pádua, na atual Itália, em 13 de junho de 1231. O templo foi construído em 1767, no local onde existia uma capela desde o século XV. Suas atrações principais são a imagem de seu patrono, que sobreviveu ao terremoto de 1755, e a cripta, construída no lugar onde supostamente nasceu o santo.

Na verdade, a igreja passou por uma reforma em 1995, para as comemorações dos 700 anos de nascimento do santo. O museu dedicado a ele, anexo à igreja, criado em 1962, erguido onde tradicionalmente se considera ser o local onde nasceu Santo Antônio, também sofreu uma reforma entre 2010 e 2012.


CASTELO DE SÃO JORGE

Agora proponho uma caminhada. Saindo da Igreja de Santo António, desça o Largo de Santo António da Sé e dobre à direita, na Calçada Correio Velho até o fim. Em seguida, pegue a Escadinha de São Crispim até a Rua do Milagre de Santo António. Cansa um pouquinho, mas pense que são apenas 79 metros. Na Rua do Milagre de Santo António, dobre à direita e caminhe até encontrar a Rua Bartolomeu de Gusmão e entre nela, à esquerda. Ao final dela você encontra a Rua de Santa Cruz do Castelo, onde fica o portal que dá acesso ao Castelo de São Jorge. Esse trajeto é relativamente cansativo, mas bem curto, de cerca de 500 m. Há outros caminhos, talvez até menos exaustivos, mas esse é um trajeto que dá uma boa dimensão de Alfama.

Construído em meados do século XI, durante o domínio islâmico, essa magnífica fortificação está localizada na área de mais difícil acesso do topo da Colina, aproveitando as escarpas naturais ao norte e oeste. O castelo tinha como função abrigar a guarnição militar e, em caso de cerco, as elites que viviam na alcáçova (a cidadela). Ele não tinha, portanto, uma função de residência, como costuma acontecer com outros castelos da Europa.

Apesar da passagem dos séculos, o castelo ainda preserva 11 torres, das quais se destacam a Torre de Menagem, a Torre do Haver ou do Tombo, a Torre do Paço, a Torre da Cisterna e a Torre de São Lourenço, situada na metade da encosta. Na segunda praça ainda existem vestígios de antigas construções e uma cisterna. Lá também ainda se pode ver, na muralha Norte, uma pequena porta designada por Porta da Traição, que permitia a entrada ou saída de mensageiros secretos em caso de necessidade.

Outro elemento do castelo que orgulha a população de Lisboa é o seu jardim, que atualmente é o único espaço verde da cidade onde predominam as principais espécies autóctones da floresta portuguesa, como os sobreiros, zambujeiros, alfarrobeiras, medronheiros, pinheiros-mansos e algumas árvores remanescentes da antiga horta do Paço Real da Alcáçova.

Aberto ao público sete dias por semana, o Castelo de São Jorge é um local onde se pode desfrutar do patrimônio histórico e, no seu Núcleo Museológico, conhecer um pouco da história de Lisboa, explorar os vestígios do bairro islâmico do século XI. Além disso, o castelo proporciona vistas inéditas da cidade no espaço denominado Câmara Escura, um passeio tranquilo pelos jardins e pelo miradouro. É possível também fazer uma parada para reabastecer as energias no Café do Castelo.

Outra boa pedida são as visitas guiadas e outras atividades pedagógicas ou, eventualmente, apresentações de música, teatro, dança e rodas de conversa sobre patrimônio, que são relativamente frequentes na programação do castelo.

Todo o conjunto edificado onde hoje se encontram o Núcleo Museológico, o Café do Castelo e o Restaurante Casa do Leão constitui a memória mais significativa da antiga residência real medieval. Também na área do jardim e nos terraços é possível ver alguns elementos arquitetônicos que integravam a antiga residência real. O paço real ficou muito destruído com o terremoto de 1755. Ainda assim – ou por causa disso – um passeio pelo Castelo de São Jorge é imperdível.


MIRADOURO DE SANTA LUZIA

Continuando nosso passeio, eu recomendaria o Miradouro de Santa Luzia. Fica a apenas 300 m do acesso principal ao castelo. É só descer a Rua de Santa Cruz do Castelo, pegar a Rua do Chão da Feira à esquerda, depois, a Travessa do Chão da Feira ou a Travessa do Funil até o Largo do Contador-Mor e, finalmente, a Travessa de Santa Luzia, chegando ao Largo de Santa Luzia, onde ficam a Igreja de Santa Luzia e o miradouro.

O miradouro, na verdade, é formado por duas plataformas com vistas para o estuário do Tejo e a parte mais baixa de Alfama. Na parte mais baixa costumam ficar vários artesãos oferecendo seus trabalhos, com destaque para pinturas que retratam Lisboa vista a partir do mirante. No segundo patamar existe um pequeno lago artificial onde crianças e adultos, incluindo turistas, costumam se refrescar no verão. Lá existe também um café que oferece bebidas, sorvetes e lanches rápidos. O miradouro é decorado com azulejos que fazem referência à aparência da Praça do Comércio antes do terremoto de 1755 e também ao ataque ao Castelo de São Jorge em que os cristãos expulsaram os mouros de Lisboa, em 1147. Ao fundo, à esquerda, se vê a cúpula do Panteão Nacional, monumento aos heróis nacionais portugueses encravado desde 1916 na Igreja de Santa Engrácia.


MIRADOURO DAS PORTAS DO SOL

Continuando nosso passeio a pé, uma subidinha de pouco mais de 100 m e você está em outro mirante icônico – o Miradouro das Portas do Sol. Fica no Largo das Portas do Sol, cujo nome deriva da antiga Porta do Sol, que fazia parte da Cerca Moura ou Cerca Velha, muralha construída no final da época romana e que defendia o núcleo urbano da cidade de Lisboa na época medieval até à construção da Cerca Fernandina, no século XIV, perdendo sua função defensiva. Parte significativa dela foi destruída pelo terremoto de 1755.

O Miradouro das Portas do Sol é um lugar privilegiado porque a partir dele é possível avistar vários pontos turísticos fundamentais da cidade de Lisboa, como, por exemplo, a a Igreja de São Vicente de Fora e praticamente todo o bairro de Alfama, com suas diversas ruas estreitas e sinuosas levando até a margem do Tejo.

Em 1949 foi colocada no largo uma estátua de São Vicente criada pelo escultor Raul Xavier. São Vicente é, desde o século XII, o padroeiro oficial da cidade, embora Santo Antônio seja muito mais popular e o verdadeiro padroeiro para a maior parte da população. Polêmicas à parte, é no Largo das Portas do Sol que você vai encontrar a representação mais conhecida do padroeiro oficial de Lisboa.

Foto: Palickap, 2017

Imagem de São Vicente, de Raul Xavier (1949), no Largo das Portas do Sol

(Foto: Sacavem1, 2008)


MUSEU DO FADO

Podemos terminar esse passeio por Alfama descendo o Beco de Santa Helena até o final, dobrando à direita, no Beco da Cardosa, depois, emendando com o Beco do Pocinho, também até o final, virando à esquerda, na Rua de São Pedro, até o Largo do Chafariz de Dentro, onde fica o Museu do Fado.

Inaugurado em 1998, o Museu do Fado abriga os espólios de centenas de intérpretes, autores, compositores, músicos, construtores de instrumentos, estudiosos e investigadores, artistas profissionais e amadores que testemunharam e construíram a história do estilo musical mais famoso de Portugal.

Seu acervo guarda coleções de periódicos, fotografias, cartazes, partituras, instrumentos musicais, fonogramas, trajes, adereços, troféus, medalhas, documentação profissional, contratos, licenças, carteiras profissionais, entre inúmeros outros testemunhos da trajetória do fado. Além de uma exposição permanente, o museu tem também um espaço de exposições temporárias, um centro de documentação, uma loja temática, um auditório, um restaurante e a Escola do Museu, onde são ministrados cursos de guitarra portuguesa e de viola de fado, e onde é possível frequentar um seminário para letristas. Além disso, a Escola disponibiliza um gabinete de ensaios para intérpretes. Desde 2016 o museu também mantém na internet um Arquivo Sonoro Digital com milhares de registos sonoros desde o início do século XX.

Foto: Lívia & Gabriel Lorenzi

Não imagino quanto você que lê agora este texto conhece sobre o fado nem, entre os que já ouviram o fado alguma vez, qual é o grau de afinidade que têm com esse ritmo tão diferente do que estamos acostumados a ouvir – principalmente nestes tempos de música rápida, com pouca letra e muito ritmo, com refrões fáceis para grudarem na nossa orelha. No entanto, seria uma pena ir a Lisboa e não ouvir fado. Ainda mais se o lugar escolhido para isso for um museu exclusivamente dedicado a esse ritmo tão essencial para a cultura portuguesa, tanto quanto, por exemplo, o samba para os brasileiros, o tango para os argentinos ou o blues para os estadunidenses. Na minha humilde opinião, seria uma excelente forma de terminar esse passeio por Alfama.

Pra fechar este post, gostaria de deixar registrado que o que descrevi aqui não é O passeio por Alfama, mas UM passeio. Estou longe de ter pretendido indicar o que é essencial ou indispensável conhecer nesse bairro encantador. Mas espero ter aguçado o seu desejo de percorrer as ruas estreitas e sinuosas do bairro mais antigo e um dos mais charmosos de Lisboa.


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