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Foto do escritorAlberto Moby Ribeiro da Silva

LISBOA: BAIXA-CHIADO

Atualizado: 14 de out. de 2022


No passeio por Lisboa de hoje quero te apresentar a região conhecida como Baixa-Chiado, formada, na verdade por dois bairros vizinhos, o Chiado e a Baixa Pombalina.

O Chiado tem sua origem no século XIII, no alto de uma das colinas de Lisboa, onde até o século XVI foram construídos alguns conventos e solares de famílias nobres.

O nome atual do bairro aparece nessa época e é associado ao poeta António Ribeiro, frade nascido em Évora, na região do Alentejo, ao sul de Portugal, na primeira metade do século, que era conhecido “o Chiado”. No entanto, tudo indica que a origem do nome é outra, Na verdade, ela se refere ao taberneiro Gaspar Dias, também conhecido por esse apelido, como mostra um documento de herança de 1567 em que se reconhece que umas casas e uma taberna pertencentes a Gaspar Dias foram deixadas à sua mulher, Catarina Diaz, “a Chiada de alcunha”. Segundo esse documento, a taberna ficava na esquina das atuais Rua Garrett e Rua do Carmo.

Mas, sem dúvida, é graças à fama do poeta António Ribeiro, assíduo frequentador da região e conhecido por seus poemas satíricos e jocosos, que esse nome tão pitoresco chegou até os dias atuais. O que não se sabe ao certo, para encerrar o assunto, é se o nome Chiado foi “roubado” do proprietário da taberna Gaspar Dias, ou se seria mesmo nome de família, já que naquela época esse era um sobrenome bastante comum na região do Alentejo.

De qualquer forma, a região só passou oficialmente a se chamar Chiado, através de um edital de 1859. Em 1925, um novo edital muda a denominação do Largo Das Duas Igrejas para Largo do Chiado, onde foi colocada uma estátua em bronze do poeta, que morreu em 1591.

Estátua de António Ribeiro, no Largo do Chiado


Já a Baixa de Lisboa, também chamada de Baixa Pombalina, por ter sido construída por ordem do secretário de Estado do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, durante o reinado de D. José I (1750-1777), como consequência do famoso e devastador terremoto de 1755, do qual já falei nas postagens anteriores. Situada entre as duas principais colinas da cidade, a Baixa é o centro financeiro e comercial da capital. Seu traçado urbanístico forma uma grade de ruas retas ladeadas por edifícios neoclássicos que ligam praças majestosas e grandes avenidas, testemunho do plano pombalino, considerado como uma realização arquitetônica de grande genialidade para a Europa da época.

Planta da Baixa Pombalina, por volta de 1786


Agora que já identificamos a origem do Chiado e da Baixa, vamos começar o passeio pelo espaço compreendido entre o Cais do Sodré, a Praça Luís de Camões, a Rua Garret, a Travessa do Carmo, o Elevador de Santa Justa, a Praça D. Pedro IV, a Rua Augusta, a Praça do Comércio e a Av. Ribeira das Naus (veja o mapa ao final da postagem). Boralá?


CAIS DO SODRÉ

Nosso ponto de partida é o Cais do Sodr, região entre a margem do Rio Tejo e a Praça Duque da Terceira. O nome vem de Duarte Sodré Pereira e seu filho, António Sodré Pereira Tibau, proprietários de vários imóveis na região. Localizada na margem do rio Tejo, é de acesso bem fácil, já que lá funciona o a estação de barcos que faz a travessia do Tejo até a estação de Corroios, na vizinha Almada (veja aqui minha primeira postagem sobre Portugal), uma estação do metrô e de comboios (trens) de mesmo nome. Por essas facilidades, o Cais do Sodré liga o centro de Lisboa a outras partes da cidade e bairros próximos, razão pela qual a maioria dos visitantes inevitavelmente passa por ele em algum ponto de seus itinerários.

Estação Cais do Sodré de comboios


No entanto, a principal razão pela qual as pessoas procuram o Cais do Sodré é, sem dúvida, sua vida noturna. Atualmente, o Cais do Sodré compete com outras regiões de Lisboa quanto ao movimento, à agitação e a gastronomia. É um excelente lugar para curtir a noite, seja na balada, na rua ou em um barzinho. Além disso, a região oferece atrações turísticas que vale a pena incluir na sua lista.

Uma das atrações que, na minha opinião, não podem ficar de fora é o Mercado da Ribeira, o principal mercado de Lisboa desde 1892. No térreo estão concentradas as bancas de vendas de produtos frescos e locais, além de restaurantes que oferecem itens da culinária local, sendo um dos pontos turísticos gastronômicos mais procurados de Lisboa. Além disso, o primeiro andar tem uma sala de espetáculos e, no exterior, uma esplanada com quiosque e lugares para sentar.

Outra atração imperdível é a Rua Nova do Carvalho, popularmente conhecida como Rua Rosa ou Rua Cor-de-Rosa, cor atual do seu asfalto. O rosa do asfalto é uma homenagem. Antigamente, essa rua era um dos principais locais de prostituição de Lisboa. Ponto de encontro de marinheiros, criminosos locais e prostitutas, a rua tinha uma reputação nada agradável. No entanto, seus edifícios escandalosos se transformaram em obras de arte e agora servem como fascinantes pontos de encontro.

A virada aconteceu em 2011, a partir de um esforço da cidade para transformar a atmosfera e a reputação do bairro. As portas se fecharam nos bordéis e nos bares desmoronados e abriram-se para receber cafés acolhedores e um novo tipo de vida noturna. Como muitos outros pontos negligenciados ao redor de Lisboa, a Rua Nova do Carvalho usou a sua história como um trampolim em vez de um obstáculo. Algumas das novas atrações turísticas e de lazer da Rua Cor-de-Rosa, por exemplo, guardaram as memórias do passado mantendo em sua decoração redes de pescadores e outros objetos dessa época em sua decoração.

Entre os bares e baladas no Cais do Sodré que vale a pena conhecer, faço aqui alguns registros meramente ilustrativos – já que, na minha opinião, a melhor maneira de você escolher o seu lugar preferido é bater pernas por essa região tão interessante.

Começo pela Pensão Amor (Rua do Alecrim nº 19), antigo bordel que possui uma decoração intimista e sedutora. É um bar que fica muito cheio no fim da tarde, onde as pessoas aparecem para o happy hour. Possui entrada tanto pela Rua Cor-de-Rosa ou rua do Alecrim.

Outro espaço interessante é o Povo (Rua Nova do Carvalho 32-36), um local para ouvir um bom fado durante a semana e para dançar ao som de DJs convidados durante os finais de semana. O menu oferece petiscos tradicionais que podem ser servidos dentro do local ou em sua esplanada.

Se você estiver a fim de uma balada, uma pedida pode ser o MusicBox (Rua Nova do Carvalho 24), um lugar para dançar até o amanhecer, com diferentes tipos de músicas, tanto comandados por DJs convidados quanto com atrações ao vivo.

Se quiser tomar um bom vinho, a opção pode ser o Vestigius (Cais do Sodré 8), um bar de vinhos e gin que possui uma exuberante esplanada voltada para o rio Tejo. É uma opção ideal para um fim de tarde.

Um bar de petiscos de conserva, que antigamente era uma loja de pesca (e que mantém uma ou outra decoração dessa época), é o Sol e Pesca (R. Nova do Carvalho 44). Sua principal atração são os diferentes tipos de tapas para petiscar enquanto você bebe uma cerveja.


PRAÇA DUQUE DA TERCEIRA

Saindo do Cais do Sodré, meu roteiro passa pela Praça do Duque da Terceira, construída em meados do século XIX em uma região que até menos de um século antes era uma praia. O lugar, na verdade, até finais do século XIX era denominado de Remolares, passando a ter este nome depois de a região ter sido aterrada e a praça, reconstruída. No século XVI, remolares eram os carpinteiros especializados na construção ou confecção de apetrechos navais, especialmente remos. Sua nova denominação homenageia António José de Sousa Manoel de Menezes Severim de Noronha, sétimo Conde de Vila Flor e primeiro Duque da Terceira.

Embora essa informação tenha pouca importância para o seu passeio turístico, acho interessante registrar que o Duque da Terceira recebeu esse título por ter comandado um movimento de resistência liberal na Ilha Terceira – uma das ilhas do Arquipélago dos Açores –, durante a Guerra Civil Portuguesa, entre 1832 e 1834, também conhecida como Guerras Liberais, Guerra Miguelista ou Guerra dos Dois Irmãos. Nessa guerra, os irmãos Miguel, absolutista, e Pedro, alinhado aos liberais constitucionalistas, lutaram pela sucessão ao trono português. O detalhe curioso aqui é que esse Pedro é ninguém menos que o “nosso” D. Pedro I – D. Pedro IV para os portugueses –, que abdicou do trono em favor de sua filha, que se tornou a rainha Maria II, derrubada do trono por um golpe dado por seu tio Miguel – razão pela qual a guerra aconteceu, saindo vitoriosos os partidários de D. Pedro.

Mas voltemos à praça. Suas principais atrações são a estátua do Duque da Terceira, do escultor José Simões de Almeida, a partir do modelo de José António Gaspar, afixada na praça entre 1872 e 1877, e os belos edifícios e monumentos do século XIX que a rodeiam, mesmo já não tendo os famosos cafés do tempo do famoso escritor Eça de Queirós (1845-1900), talvez seu mais famoso frequentador.


PALÁCIO CHIADO

Da Praça do Conde da Terceira parte a antes conhecida como Rua Antiga do Conde, que que passou a se chamar oficialmente Rua Direita do Alecrim, a partir de 1693. Aconselho percorrê-la com calma e atenção e, principalmente, a dedicar um tempo especialmente ao Palácio Ciado, cuja entrada é bastante discreta, se comparada ao que encontramos no seu interior.

No passado, o Palácio Chiado se chamava Palácio Quintela. Seu proprietário, Joaquim Pedro Quintela, era famoso por promover grandes festas e noites extravagantes nesse requintado palácio, construído em meados de 1871. Era ponto de encontro da aristocracia e dos bon vivants lisboetas. Era lá que a elite se reunia para dançar, realizar banquetes milionários e apreciar obras de arte.

Desde março de 2016, o Palácio Chiado abriga uma grande variedade de opções gastronômicas. Logo na entrada fica o Dawn – Lounge Bar. Sua principal atração é a animação de um DJ no final de semana, além da sua carta de cocktails de assinatura e vinhos portugueses.

No primeiro andar fica o restaurante, cujo acesso se dá por uma imponente escadaria que leva até o foyer, no qual existe um imponente leão alado suspenso no teto. Também no primeiro piso fica a Sala Quintela, um espaço alugável para eventos.

Se você pretende passar um tempo maior em Lisboa, é bom saber que o Palácio Chiado também faz delivery. Os pedidos podem ser feitos por telefone, pelo site do palácio ou pelo Uber Eats.


PRAÇA LUÍS DE CAMÕES

No final da Rua da Alecrim fica a Praça de Luís de Camões, também chamada de Largo de Camões, em homenagem ao poeta autor de Os Lusíadas, considerado por muitos como o maior poeta da língua portuguesa. Ela está localizada na confluência entre dois bairros icônicos da cidade: o Chiado e o Bairro Alto.

A praça, que tem ao centro uma estátua em bronze de Camões, de 11,49 m de altura, foi inaugurada em 1867. A estátua de Camões, por sua vez, está rodeada por outras oito estátuas de personalidades portuguesas ligadas às Letras e às Ciências. Outra atração da praça é sua calçada, que apresenta elementos que lembram Os Lusíadas, como o mar, sereias, caravelas etc. Além disso, ao seu redor existem várias construções da época pombalina.

Foto: @rubenmneves

Por ser um amplo espaço aberto, a Praça de Luís de Camões muitas vezes é utilizada como palco de manifestações políticas, culturais, religiosas, além de ser vir sendo usada como pano de fundo para peças publicitárias das mais diversas marcas comerciais.

Uma observação importante: a Praça Camões fica na confluência de linhas importantes dos serviços de carris urbanos, os famosos elétricos (bondes. É ponto de passagem das linhas 24E – Praça Luís de Camões-Campolide; 28E – famoso Martim Moniz-Prazeres (cemitério); 202 – Cais do Sodré-Linda-a-Velha; e 758 – Cais do Sodré-Portas de Benfica.

À direita da Praça Luís de Camões fica o Largo do Chiado. Esse logradouro, embora tenha recebido o nome atual em 1925, continua a ser popularmente conhecido como Largo das Duas Igrejas, em função das duas igrejas que ainda existem lá até hoje. Olhando da praça nessa direção, à direita fica a Igreja da Encarnação e, à esquerda, a Igreja dos Italianos.


IGREJA DA ENCARNAÇÃO

A Igreja de Nossa Senhora da Encarnação ou simplesmente Igreja da Encarnação foi inaugurada em 1708. Para que ela fosse erguida, foi destruída uma torre e parte da Cerca Fernandina, a muralha do século XIV que cercava Lisboa. No entanto, foi totalmente destruída pelo nosso já conhecido terremoto de 1755. Reconstruída com muitas alterações, ainda no século XVIII, suas obras se prolongaram até 1873. Durante a reconstrução, a Igreja da Encarnação foi bastante alterada e suas obras se prolongaram até o ano de 1873. Nessa igreja, o destaque fica para o interior, em estilo barroco e rococó, com belíssimas pinturas no teto.


IGREJA DOS ITALIANOS

Ainda no Largo do Chiado, exatamente em frente à Igreja da Encarnação, fica a Igreja de Nossa Senhora do Loreto dos Italianos, mas conhecida apenas como Igreja do Loreto. Construída pela colônia italiana de Lisboa em 1517, essa igreja sofreu um violento incêndio em 1651 e reconstruída em 1676, quando passou a ter doze capelas, além de inúmeras pinturas, com destaque para os evangelistas Lucas e Marcos e os doze apóstolos, nos nichos superiores ao longo a nave principal. Além dos quadros, a igreja passou a ostentar magníficas peças de mármore que foram importadas de Gênova.

No entanto, foi novamente destruída pelo terremoto de 1755, seguido de um incêndio dois dias depois. Novamente, a igreja foi reedificada, graças à fervorosa insistência dos italianos, em 1785. O destaque fica para o grandioso afresco do teto, realizado pelo pintor Pedro Alexandrino, e para o altar, dedicado a santos padroeiros de cidades italianas: João Baptista, Santa Catarina de Génova (Génova, Turim e Florença), S. Carlos Borromeu (Milão), S. Francisco de Assis, S. Francisco de Paula (Nápoles). Além disso, destaca-se por seu valor histórico a imagem tricentenária da santa padroeira, Nossa Senhora do Loreto, no altar-mor, esculpida em madeira escura de cedro do Líbano, que é cópia da estátua da santa que se venerava na Santa Casa de Loreto, na Itália.


A BRASILEIRA

Seguindo em frente pelo Largo do Chiado, nossa próxima parada é a Estação Baixa-Chiado do Metrô. Em frente a ela, no comecinho da Rua Garret, fica o café A Brasileira do Chiado, fundado em 1905, um dos três cafés mais antigos de Lisboa, que atravessaram todo o século XX e ainda se mantêm abertos.

Seu fundador foi o português Adriano Telles, que viveu no Brasil, onde se casou com a filha de um dos maiores produtores de café de Minas Gerais. Ao voltar para Portugal, começou a vender café, uma bebida que até então era desconhecida e pouco apreciada em Portugal. Decidido a introduzir em Lisboa o gosto pelo café, ele teve a ideia de fundar um estabelecimento em que os clientes pudessem degustar o produto, servindo xícaras de café gratuitamente como forma de divulgação. Para isso, caprichou na decoração, fazendo do interior da Brasileira um espaço onde se passaram a se reunir os chiques e famosos da época: advogados, professores, escritores e artistas. O lugar atraiu também os revolucionários que participaram na derrubada da monarquie e proclamação da república em Portugal, em 1910.

Entre as personalidades de destaque que frequentavam A Brasileira, a que mais se sobressaiu foi o cultuado escritor Fernando Pessoa, que, assim como dezenas de outros artistas e intelectuais da época, tinha essa cafeteria como ponto de encontro e de troca de ideias. A assiduidade de Fernando Pessoa motivou uma homenagem ao poeta, tendo sido inaugurada, na década de 1980, uma estátua sua em bronze, em tamanho real, feita pelo artista Lagoa Henriques, que representou o escritor sentado à mesa na esplanada do café. Ela é, sem dúvida, um dos ícones mais famosos da capital portuguesa e, por mais brega ou clichê que isso possa parecer, é difícil resistir a uma foto ao lado do poeta.

Um detalhe pitoresco sobre A Brasileira do Chiado é o fato de que foi lá que nasceu a palavra bica com o sentido equivalente ao nosso cafezinho – a bebida servida quente em uma pequena xícara. Há duas versões diferentes para a origem do nome. Uma delas afirma que a palavra seria a abreviatura de “beba isto com açúcar”, um incentivo para que os clientes experimentassem aquela novidade que o café significava em Portugal no início do século XX. Já outra versão defende que esse nome teria vindo do fato de o café ser servido nas xícaras diretamente das torneiras (as bicas) das máquinas de fazer café porque os clientes acreditavam que a passagem do café da máquina para um bule fazia a bebida perder sabor. Seja qual for a origem real, acredito que vale a pena ir à Brasileira e, sentado ao lado de Fernando Pessoa, degustar uma bica.


LIVRARIA BERTRAND

Continuando pela Rua Garret, logo ali na frente está outra relíquia imperdível pra você que, como nós, ama a leitura e cultua livros: a Livraria Bertrand Chiado. Fundada em 1732 como um pequeno negócio de uma família francesa, a Livraria Bertrand Chiado foi reconhecida em 2011 pelo Guiness Books of Records como a mais antiga livraria do mundo ainda em funcionamento. Inaugurada originalmente na Rua Direita do Loreto, a cerca de 400 m do endereço atual, foi destruída pelo terremoto de 1755, mas a marca dos livros sobreviveu. A livraria foi, então, transferida para perto da Capela da Nossa Senhora das Necessidades e, em 1773, renasce definitivamente no Chiado.

Não é exagero dizer que entrar na Livraria Bertrand Chiado e percorrer as suas sete salas é percorrer uma parte da história e da literatura de Portugal. Dentro desse ambiente, é fácil sentir o peso simbólico de uma livraria que vende livros desde 1732.

O acesso à livraria pode ser feito tanto pela entrada principal, pela Rua Garrett, quanto pela porta do Café Bertrand, inaugurado em maio de 2017, na Rua da Anchieta.

Se optar pela porta principal, a primeira sala que você vai ver é a que leva o nome de Aquilino Ribeiro (1885-1963), considerado como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. À direita, junto à estante que dá destaque à sua obra, encontramos o “Cantinho do Aquilino”, lugar onde antigamente o escritor se recolhia para ler e refletir.

Para além do fato de ser uma atração turística devido à sua longevidade, a Bertrand do Chiado, além de ser uma loja de livros, é também um espaço onde é possível fazer uma expedição pelas várias salas e pelos autores que as apadrinham. Além de Aquilino Ribeiro, há salas dedicadas também a José Saramago, Eça de Queiroz, Almada Negreiros, Alexandre Herculano e Sophia de Mello Breyner. Cada uma dessas salas, além de receber o nome de um patrono, tem uma estante dedicada exclusivamente à obra do seu homenageado e também que conta sua história.

Caso você prefira começar pelo Café Bertrand, sua primeira visão será a de um grande mural, de Tamara Alves, com o poeta Fernando Pessoa, autor que dá nome à sétima e última sala, que antes era um depósito.

Resumindo, percorrer com atenção o corredor que interliga as salas é explorar o espaço e o tempo encontrando em cada esquina e em cada sala livros e autores, mas também pedaços de Lisboa e de Portugal. Talvez por isso, a Bertrand receba tanto a visita de portugueses quanto a de estrangeiros.


CONVENTO DO CARMO

Continuando nosso passeio, o próximo passo é seguir a Rua Garret por cerca de 120 m até a Calçada do Sacramento, à esquerda. Siga a Calçada do Sacramento até o seu final, no Largo do Carmo, onde está o Convento do Carmo. Essa antiga Igreja gótica é, sem dúvida, um dos marcos mais notáveis ​​do distrito do Chiado.

Fundado em 1389, esse antigo convento da Ordem dos Carmelita da Antiga Observância já foi a principal igreja gótica da capital portuguesa. Suas dimensões e monumentalidade concorriam com a Sé de Lisboa. Graças a isso, durante o terremoto de 1º de novembro de 1755, parte de sua estrutura e o telhado desabaram sobre um grande número de fiéis. Grande parte de sua estrutura permaneceu de pé e hoje suas ruínas são um dos principais testemunhos dessa catástrofe.

No reinado de D. Maria I (a mãe de D. João VI, falecida no Rio de Janeiro em 1816) ficou decidida a reconstrução de uma ala do convento, já em estilo neogótico, mas os trabalhos foram interrompidos em 1834, quando Portugal decidiu banir de seu território as ordens religiosas. Dessa primeira reconstrução existem os pilares e os arcos das naves.

Em meados do século XIX se optou por não continuar a reconstrução do convento, deixando o corpo das naves da igreja a céu aberto. Sua parte habitável foi convertida em instalações militares em 1836.

Atualmente, o corpo principal da igreja e o coro, cujo telhado resistiu ao terremoto, foram adaptados para abrigar um museu arqueológico. Embora o acervo não seja muito grande, existem nele itens imperdíveis, como, por exemplo peças datadas entre o Paleolítico e o Neolítico, das quais vale destacar objetos originários de escavações de uma fortificação perto de Azambuja, de entre 3500 e 1500 a.C. Também merece destaque o setor de túmulos góticos, uma estátua de um rei do século XIII que supõe-se ser de D. Afonso Henriques, considerado o fundador do reino de Portugal, além de várias peças romanas e visigodas.


ELEVADOR DE SANTA JUSTA

Saindo do Convento do Carmo, contorne o convento pela direita. Nos fundos do convento, uma passarela leva até à plataforma de acesso do Elevador de Santa Justa, também conhecido como Elevador do Carmo. Além da maravilhosa vista de uma das áreas mais emblemáticas de Lisboa, essa plataforma tem um animado café.

Atualmente, sua função é meramente turística. Construído em 1902 em estilo neogótico, o elevador foi um projeto do engenheiro Raoul Mesnier du Ponsard, considerado pela tradição popular como aprendiz de Gustave Eiffel (embora essa ligação careça de comprovação histórica) e promove uma ascensão de 45 m, ligando o Bairro Alto à Baixa Pombalina.

Fotos (acima e abaixo): Livia & Gabriel Lorenzi


PRAÇA DOM PEDRO IV

Descendo do Elevador de Santa Justa, dobre à esquerda, na Rua Áurea, até a Praça do Rossio, ou Praça Dom Pedro IV, a praça principal da Baixa. Ela fica numa região por onde, na Idade Média, corria o imundo Canal do Rossio, que no século XV foi aterrado. Apesar de ser uma praça bastante irregular, era lá que aconteciam feiras e mercados.

Ainda nessa época começaram a aparecer ao redor dela vários edifícios importantes, como o Hospital Real de Todos os Santos, o Convento de São Domingos de Lisboa – na verdade, criado em 1242 e amentado durante o reinado de D. Manuel I e novamente reconstruído após um terremoto ocorrido em 1531.

Após o terremoto de 1755, poucos edifícios da praça ficaram de pé. Sua reconstrução a transformou em um amplo espaço retangular. No lugar do Palácio dos Estaus, onde desde 1571 funcionava o Tribunal da Santa Inquisição de Lisboa, foi construído o Paço da Regência e, em 1826, a Câmara dos Pares, sendo também ali instalada a Academia Real de Fortificação, a Secretaria da Intendência da Polícia, a Escola do Exército e o Tesouro Público. Essa construção, no entanto, foi atingida por um incêndio em 1836 e em seu lugar foi construído o Teatro Nacional D. Maria II. Além de fazer parte da memória de construções históricas, a Praça do Rossio foi testemunha de fatos históricos de grande relevância para a história de Portugal.

Entre 1846, data da inauguração do Teatro Nacional D. Maria II, e 1849 foram realizadas várias intervenções na praça, que foi arborizada e recebeu suas fontes monumentais. Em 1848, a praça foi calçada com pedra portuguesa em basalto e calcário em padrão ondulante, tendo sido um dos primeiros desenhos desse tipo a decorar a pavimentação da cidade.

Onde são hoje os números 22-25 e 27-29 ficavam, no começo do século XIX, os famosos botequins do Nicola e das Parras, onde se reuniam grandes escritores da época, entre eles o famoso Manoel Maria Barbosa du Bocage, sobre o qual já falei no primeiro post desta série. No Rossio, Bocage improvisou muitos de seus sonetos e das suas mais famosas sátiras.

A atração principal da Praça do Rossio é a Estátua de D. Pedro IV, vigésimo-oitavo rei de Portugal – o “nosso” D. Pedro I. Inaugurada em 1870 tem na base do pedestal quatro figuras femininas, alegorias à Justiça, Prudência, Fortaleza e Moderação, qualidades atribuídas a D. Pedro, conhecido em Portugal como o “Rei-Soldado”, entrelaçadas por festões e os escudos das 16 principais cidades do país. A parte inferior da coluna é adornada com quatro figuras da Fama em baixo-relevo. A estátua representa D. Pedro em uniforme de general, coberto com o manto da realeza, a cabeça coroada de louros, ostentando na mão direita a Carta Constitucional outorgada por ele.

Mas não perca também os arredores da praça, onde ficam, por exemplo, a bela Estação de Comboios Restauradores, na Rua 1º de Dezembro, entre a Praça D. Pedro IV e a Praça dos Restauradores, de 1886, e o moderno Internacional Hotel, no lado oposto da praça, na esquina com a Rua Betesga. Enfim, essa é uma área à qual vale dedicar um tempo caminhando e descobrindo.


IGREJA DE SÃO DOMINGOS

Tendo o monumento a D. Pedro IV atrás de você e o Teatro Nacional D. Maria II à sua frente, do lado direito do teatro fica o Largo São Domingos, onde começa a Rua Dom Antão de Almada, paralela à praça, que desemboca na Praça da Figueira. Exatamente na confluência desses dois logradouros fica a Igreja de São Domingos, do Convento de São Domingos de Lisboa, cuja visita é imperdível. Construída no século XIII, por ordem do rei D. Sancho II (1223-1248), ela foi alvo de inúmeras obras que alteraram por completo seu traçado medieval. O convento anexo a ela foi construído na época do rei D. Afonso III (1248-1279) e aumentado durante o reinado de D. Manuel I (1495-1521), época em que aconteceu o chamado Massacre de Lisboa (1506), também conhecido como Pogrom de Lisboa ou Matança da Páscoa de 1506, quando uma multidão perseguiu e matou mais de 4 mil judeus, acusados de serem a causa de uma seca, fome e peste que assolavam o país.

Em 26 de janeiro de 1531, um terremoto obrigou a reconstrução da igreja e do convento, que ocorreu em 1536. O terremoto causou enormes a essa estrutura religiosa. Abriram-se enormes fendas nas suas espessas paredes, desde o teto até ao chão, chegando mesmo a ruir em alguns pontos. Sua reabertura só foi possível graças às esmolas dos fiéis, às diversas congregações – principalmente a Companhia de Jesus – e a um subsídio por parte do rei. Apesar dos estragos, permaneceram de pé as três naves e todos os seus ornamentos. Segundo testemunhas da época, era notável a sua riqueza em alfaias preciosas, havendo uma imagem de prata maciça, que saía em procissão num andor também de prata, iluminada por lâmpadas igualmente de prata.

No entanto, as pinturas dos altares, os paramentos, os tesouros, tudo desapareceu durante novo terremoto, em 1755, já nosso conhecido, salvando-se apenas a sacristia e a capela-mor, toda em mármore negro, e em cujas colunas se veem, junto à base, medalhões delicadamente cinzelados, que também se destacam sobre os nichos laterais. Nova reconstrução foi necessária, tendo sido concluída em 1834.

Sendo uma das igrejas mais amplas de Lisboa, com capacidade para cerca de 2 mil fiéis, nela se realizaram todas grandes cerimônias religiosas, funerais de autoridades, assim como as solenidades de batizados, casamentos e funerais reais.

Mas a história de destruições da Igreja de São Domingos não termina aí. Em 13 de agosto de 1959, um violento incêndio destruiu completamente a decoração interior da igreja, onde constavam altares em talha dourada, imagens valiosas e pinturas de Pedro Alexandrino de Carvalho (1729-1810).

Somente em 1994 essa igreja foi reaberta ao público. Além dessa histórica trágica, o que a torna tão interessante é que se optou por não esconder as marcas do incêndio, assim como as colunas rachadas. Além disso, apesar das marcas da destruição, é uma igreja que sobressai pela policromia dos seus mármores. De traço predominantemente barroco, de planta em cruz latina, tem uma fachada muito simples e o interior, mesmo depois do terremoto e do fogo, evidencia ainda grande beleza e ecletismo. É uma igreja de uma só nave, majestosa. Enfim, há algumas boas razões para conhecê-la.


PRAÇA DA FIGUEIRA

Seguindo a Rua Dom Antão de Almada, a próxima parada é a Praça da Figueira. Antes do terremoto de 1755, era nesse local que ficava o Hospital de Todos-os-Santos, cujas fundações foram descobertas recentemente, durante a construção de um estacionamento subterrâneo. No projeto aprovado pelo Marquês de Pombal para a Baixa, essa praça passou a abrigar o principal mercado da cidade, que sofreu algumas modificações posteriores, sendo a maior delas uma cobertura, em 1885.

Esse mercado, no entanto, foi demolido em 1949. Atualmente, os edifícios ao redor da praça – todos eles de quatro andares – são ocupados por hotéis, lojas e cafés, mas a praça já não é mais um mercado. No subsolo fica o estacionamento Parque Praça da Figueira. Em um dos cantos desse quadrilátero fica uma das saídas da Estação Rossio, da Linha Verde do metrô (os portugueses dizem “Metro”), que também dá acesso à Estação Rossio de Comboios (como os portugueses chamam os trens). Além disso, ao redor da praça há várias “paragens de autocarros” (pontos de ônibus) e dos “carris” (bondes).

A principal atração da praça é a estátua equestre em bronze do rei D. João I (1385-1433), construída em 1971. D. João I, o décimo rei de Portugal e o primeiro da dinastia de Avis, ficou conhecido nos livros de história de Portugal e do Brasil como “o Mestre de Avis”.

Uma boa pedida na Praça da Figueira é o imensamente popular Café Suíça, no alto da Rua da Prata. Outra atração gastronômica são os deliciosos pastéis tradicionais da Confeitaria Nacional, inaugurada no início do século XIX e na época amplamente considerada como uma das mais elegantes confeitarias da Europa.


RUA AUGUSTA

Deixando pra traz a Praça da Figueira, convido você a fazer uma caminhada por uma das ruas mais emblemáticas da Europa. Estou falando da Rua Augusta, a espinha dorsal da Baixa Pombalina, a estrutura urbanística planejada por D. Sebastião José de Carvalho e Melo – o famoso Marquês de Pombal, secretário de Estado do reino de Portugal durante o reinado de D. José I (1750-1777) – para reconstruir Lisboa após o terremoto de 1755.

Essa charmosa rua de pedestres é, na verdade, um trecho bastante curto, de apenas 700 m, em linha reta, recheado de lojas de grife, bares e restaurantes. Foi batizada com este nome em homenagem à augusta - respeitável, venerável, imponente, solene etc. – figura do rei D. José I, o monarca em cujo reinado ela foi construída. Ela liga, no sentido noroeste-sudeste, a Praça D. Pedro IV à Praça do Comércio (da qual falo daqui a pouco).

A Rua Augusta é, sem dúvida, a principal rua turística de Lisboa. É um lugar para se ver e ser visto, para fazer o footing, como se dizia antigamente. Além das lojas de marca e das opções gastronômicas, você encontra nesse pequeno trajeto inúmeras atrações, como artistas performáticos, pintores populares de paisagens representativas de Lisboa, músicos de rua, palhaços, além dos típicos e indispensáveis vendedores de castanhas portuguesas assadas.


ARCO TRIUNFAL DA RUA AUGUSTA

No final dessa nossa caminhada está o triunfal Arco do Triunfo da Rua Augusta ou simplesmente Arco da Rua Augusta. Como o nome indica, trata-se de um arco triunfal situado na parte norte da Praça do Comércio. Sua construção começou a ser programada em 1759, inserido no amplo projeto pombalino de reconstrução da parte baixa de Lisboa pelo terremoto de 1755. A forma que ele tem hoje, no entanto, só foi adquirida com a conclusão da obra, em 1873.


Na parte superior do arco é possível observar esculturas monumentais de Célestin Anatole Calmels, enquanto num plano inferior se encontram esculturas de Vítor Bastos. As esculturas de Calmels representam a Glória, coroando o Gênio e o Valor. As esculturas de Vítor Bastos representam Nuno Álvares Pereira (1360-1431), considerado o maior estrategista, comandante e gênio militar português de todos os tempos; Viriato (181-139 a.C.), líder lusitano que enfrentou a expansão de Roma na Hispânia, em meados do século II a.C., no território sudoeste da Península Ibérica, nas chamadas Guerras Lusitanas; Vasco da Gama (1469-1524), primeiro navegador português a percorrer o trajeto entre Portugal e a Índia; e o Marquês de Pombal. Na lateral esquerda, o Rio Tejo, e na direita o Rio Douro, também do escultor Vítor Bastos, simbolizando os limites da região onde, na Antiguidade, viviam os lusitanos, um dos povos ibéricos pré-romanos que habitaram a região oeste interior da Península Ibérica desde a Idade do Ferro.

A partir de 2013 é possível chegar ao mirante (“miradouro”, para os portugueses) no topo do arco através de um elevador e mais dois lances de escadas íngremes. O valor do ingresso é € 3,00. A vista de lá de cima é bastante compensadora: alcança toda a região da Baixa-Chiado, o Bairro Alto, Alfama, o estuário do Tejo e partes de Almada, do outro lado do rio.


PRAÇA DO COMÉRCIO

Depois de atravessar o Arco Triunfal da Rua Augusta você chega à Praça do Comércio, também conhecida por seu antigo nome de Terreiro do Paço. É uma imensa praça, delimitada por 79 arcos, com cerca de 36 mil m2, situada à margem do Rio Tejo, na região onde entre 1511 e 1755 existiu o palácio real português, atualmente parcialmente ocupada por alguns órgãos do governo de Portugal.

Desde a conquista de Lisboa, no século XIV, até a primeira metade do século XVI, a residência oficial da realeza era o Paço da Alcáçova, depois denominado de Castelo de São Jorge. A decisão do rei D. Manuel I de construir o Paço da Ribeira, denominação oficial do palácio real e residência oficial dos reis portugueses durante esse período, está diretamente ligada ao contexto das transformações políticas, econômicas e administrativas em consequência da descoberta do caminho marítimo para a Índia e do monopólio português do comércio das especiarias entre o Oriente e a Europa. Sua construção começou em 1498 e ele foi entregue para ser ocupado em 1511.

Terreiro do Paço (Dirk Stoop, 1662)


No entanto, assim como aconteceu com toda a região da Baixa de Lisboa, o Paço da Ribeiro foi totalmente destruído no terremoto de 1755. Além do palácio, a biblioteca real, com mais de 70 000 volumes e centenas de obras de arte, incluindo pinturas de artistas como Ticiano, Rubens e Correggio, também foi arrasada. Também o precioso Arquivo Real, com documentos relativos à exploração dos oceanos, entre os quais, por exemplo, numerosas cartas do descobrimento do Brasil e outros documentos antigos, também foram perdidos.

Na reconstrução, a praça passou a ocupar lugar central no plano do Marquês de Pombal. Durante décadas, os edifícios no entorno da praça foram utilizados por diferentes ministérios e instituições públicas. Atualmente, no entanto, sua utilização é compartilhada por órgãos do governo, entidades culturais e promocionais, hotéis, restaurantes e cafés.

Assim como em várias outras praças de Lisboa e de Portugal, também na Praça do Comércio existe uma estátua equestre em homenagem a um personagem histórico. No caso da Praça do Comércio, o homenageado, como não podia deixar de ser, foi o rei D. José I, monarca que ocupava o trono à época do grande terremoto. Ela foi construída em 1775 por Joaquim Machado de Castro, o principal escultor português do século XVIII.

Até a década de 1990, a área serviu como estacionamento, mas hoje – felizmente, na minha humilde opinião – esse imenso espaço urbano, além de ser rodeado de bares e restaurantes, é usado apenas para eventos culturais e espetáculos.



MARTINHO DA ARCADA

Entre as opções de bares e restaurantes da Praça do Comércio e arredores, uma que é imperdível, na minha humilde opinião, é o famoso Café Restaurante Martinho da Arcada, o mais antigo de Lisboa e um dos preferidos de poetas consagrados da literatura portuguesa como Bocage (1765-1805), Almeida Garret (1799-1854) e Fernando Pessoa (1888-1935) – o que dá a esse espaço bastante popular um status a mais.

Fernando Pessoa no Café Martinho da Arcada com Raul Leal, António Botto e Augusto Ferreira Gomes em 1928


No começo, o atual Café Restaurante Martinho da Arcada, era apenas uma loja de bebidas que ficava localizada na arcada do Terreiro do Paço. Inaugurada em 1778, essa loja se chamava originalmente Café da Neve.

As transformações pelas quais passaram a sociedade portuguesa e a cidade de Lisboa fizeram com que a antiga casa de bebidas mudasse sucessivamente de nome e de proprietário. No entanto, algumas de suas características permaneceram ao longo do tempo, como, por exemplo, o fato de ser frequentada preferencialmente “sociedade elegante” de Lisboa e por gente da elite intelectual lisboeta, particularmente para discutir política e literatura, por ter como uma de suas principais atrações os sorvetes e bebidas geladas – o que durante o século XIX e começo do século XX conferia a qualquer estabelecimento pontos a mais entre o público. Essa, aliás, é a razão por aparecer a palavra “neve” em algumas das denominações que esse estabelecimento teve até chegar ao nome atual. Na verdade, essa era a fonte de gelo adquirida para conservar e resfriar bebidas e alimentos.

A denominação atual, Martinho da Arcada, nasce em 1929, 150 anos após a abertura da loja original, quando o já então denominado Café da Arcada passa a pertencer a Martinho Bartholomeu Rodrigues, conhecido como Martinho da Neve. Esse novo proprietário realiza obras de renovação do espaço que o transformam num dos melhores café-restaurantes de Lisboa, mudando se nome, um pouco mais tarde, para o definitivo Martinho da Arcada. Em 1899 Martinho Rodrigues deixa, em testamento, a propriedade do Martinho da Arcada e de outro estabelecimento próximo a onde hoje está o Teatro Nacional D. Maria II para o escrivão do Tribunal do Comércio Julião Bartholomeu Rodrigues, certamente, seu descendente.

Em 1990, após várias décadas na posse da família Mourão, uma nova sociedade, com o auxílio do Estado português, recupera o espaço e dá a ele uma nova vida. Desde 1999, o escritor Luís Machado tem promovido e organizado inúmeras atividades culturais, entre as quais se destacam “As Noites do Martinho” e “Rostos da Portugalidade”, realizadas às quintas-feiras. Para além da mesa Fernando Pessoa, principal atração da casa, o Martinho da Arcada promoveu homenagens a Eduardo Lourenço, José Saramago, Júlio Pomar, Manoel de Oliveira e Ruy de Carvalho, atribuindo a essas personalidades mesas com os seus nomes.

Os atuais proprietários, António de Sousa (abaixo, comigo e Márcia), António Marcos de Sousa e Maria Adília de Sousa, têm visto o seu trabalho reconhecido internacionalmente, graças à preservação das raízes históricas do espaço, e à aposta numa gastronomia genuinamente portuguesa. Atualmente, o café preferido de Fernando Pessoa é o mais cosmopolita dos cafés lisboetas, atraindo milhares de visitantes de todo o mundo. Um detalhe importante é que o proprietário viveu por cerca de dez anos em São Paulo, razão pela qual sempre dedica uma atenção especial aos turistas brasileiros.

Sobre a importância da agitação cultural do Martinho da Arcada, em 1809, por exemplo, uma denúncia por carta à Polícia afirma que nesse lugar era costume se reunirem muitos “libertinos” e “jacobinos” e por esta razão, o local era vulgarmente conhecido como Café dos Jacobinos. Em outra denúncia, de 1810, o bar aparece em uma lista de casas clandestinas de jogo de banca e dados.

Essa tradição se manteve pelos anos a fio. Por muito tempo, o “Martinho da Arcada” se manteve como lugar de encontro para as elites da cidade. Era frequentado por maçons, pelos políticos da Primeira República (1910-1926) e foi a «segunda casa» de escritores como Cesário Verde, Amadeo de Souza Cardoso, Bocage, Antônio Botto, ou Fernando Pessoa. Foi lá que Fernando Pessoa escreveu parte dos seus poemas e, entre eles, os que constituem Mensagem, o único livro que ele publicou em vida. Por essa razão, até hoje existe no Martinho uma mesa permanentemente “reservada” para ele – a mesma onde bebeu um café três dias antes de morrer, a 27 de novembro de 1935.


MUSEU DA CERVEJA

Outra parada obrigatória o Museu da Cerveja, na esquina com a Rua da Alfândega. Aberto 2012, o Museu da Cerveja é, ao mesmo tempo, um espaço gastronômico e um verdadeiro passeio pela história da bebida mais antiga, mais consumida e mais popular do mundo e pelas tradições cervejeiras de todas as regiões de Portugal.

Uma das maiores atrações desse espaço é o imponente altar construído com copos de design exclusivo, gravados com as bandeiras de 192 países, criados por Júlio Pomar, um dos mais prestigiados artistas plásticos portugueses do século XX. É ele também que assina o painel de azulejos “Contos Murais”, de mais de 10 m de comprimento, que dá as boas-vindas aos visitantes.


LISBOA STORY CENTRE

Na mesma calçada onde fica o Museu da Cerveja fica o Lisboa Story Centre, um espaço que oferece um equipamento interativo que nos leva a acompanhar os principais eventos de Lisboa desde o começo até os dias atuais. Erguida sobre as colinas banhadas pelo Tejo e voltada para o Oceano Atlântico, Lisboa é um fascinante mosaico de memórias, estórias e influências que ainda hoje marcam sua paisagem urbana. O espaço faz desfilar os vários episódios que compõem a sua história e alguns dos seus protagonistas, nos convidando a realizar uma viagem no tempo e descobrir as memórias de Lisboa, desde a sua fundação até dias de hoje.

No Lisboa Story Centre, o visitante irá viajar no tempo como se percorresse um livro ilustrado que ganhasse vida. Através do uso de cenografia, equipamentos multimidia e experiências sensoriais, são apresentados relatos dramáticos dos principais eventos da memória da cidade, no espaço delimitado pela Baixa Pombalina e pelo Terreiro do Paço, explorando mitos e realidades desta cidade milenar. De uma forma lúdica e interativa, mas respeitando o rigor histórico, o Centro oferece ao visitante cerca de 60 minutos de uma viagem no tempo e no espaço.

No piso zero (térreo), o Lisboa Story Centre abriga 5 áreas principais, cada uma abordando diferentes aspectos da história de Lisboa, estruturados numa sequência cronológica, em que os visitantes são conduzidos por um “contador de histórias” num passeio envolvente. O visitante poderá sentir o ambiente de um armazém da Lisboa quinhentista, descobrindo produtos vindos dos “Novos Mundos”, transportados pelas caravelas. Em seguida, será envolvido nos acontecimentos do trágico dia de Todos os Santos de 1755 e viverá a experiência do terremoto e suas consequências. Participará depois, com o Marquês de Pombal, da reconstrução da cidade em termos urbanísticos e de organização. Essas áreas abrangem toda a história desde as primeiras civilizações até aos nossos dias.

A 6ª área é contada no primeiro piso, onde se encontra a maquete virtual da cidade de Lisboa, e onde se explora a arquitetura da cidade e se proporciona a descoberta mais pormenorizada da sua história, incentivando à sua descoberta na atualidade. Além disso, o visitante poderá visitar exposições temporárias com temáticas alusivas às áreas percorridas.

Aberto desde 2012, o Lisboa Story Centre funciona das 10 às 20 h todos os dias da semana. Para mais informações, dê uma olhada no site da exposição.


AV. RIBEIRA DAS NAUS

Deixando para trás o Terreiro do Paço, convido você a seguir por um trecho de cerca de 450 m da Av. Ribeira das Naus, começando em frente ao Ministério do Mar e indo até o Cais do Sodré. É um belo lugar para uma caminhada com os amigos, para ver o movimento das embarcações pelo Tejo e para, se for o momento, curtir o pôr do sol. No verão, essa região é ressignificada pela população lisboeta como praia urbana.

Essa curta caminhada pela margem do Rio Tejo sob o belíssimo céu de Lisboa fecha o nosso ciclo pela região da Baixa-Chiado, nos levando de volta ao nosso ponto de partida.

No passeio de hoje levei você comigo pelas ruas e atrações turísticas dos bairros do Chiado e da Baixa Pombalina, região cheia de história e de registros da vida e do modo de ser de Lisboa.

Na próxima postagem vamos ate o Parque das Nações, na zona leste de Lisboa. O bairro mais moderno da cidade, criado na década de 1990 por conta da Expo98, com a cessão de terras da freguesia de Olivais, Sacavem e Moscavide. Até lá, então.







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