Começo dizendo que Santiago do Chile é uma cidade encantadora, que mistura o novo e o velho de forma bastante harmoniosa. Em seguida, é preciso dizer que Santiago é também uma cidade de memória. É a capital de um país que durante dezessete anos foi submetido a uma ditadura militar sanguinária, que derrubou um governo democraticamente eleito e impôs ao país um regime marcado por constantes violações aos direitos humanos, com mais de 80 presos políticos e 30 mil torturados, além de mais de 3 mil pessoas assassinadas.
Pode parecer estranho começar um texto que fala de viagem por um comentário sobre a história política de um lugar. Mas na minha opinião não há como visitar Santiago sem ter em mente o que aconteceu no Chile entre 1970, quando foi eleito o médico Salvador Allende, e 1990, quando caiu o regime militar criminoso do general Augusto Pinochet. É que a cidade e alguns de seus pontos turísticos principais estão marcados por essa tragédia política e são a demonstração de que no Chile a esperança venceu o medo.
Para mim, particularmente, Santiago tem um significado especial. Essa cidade foi o destino da minha primeira grande viagem internacional, em 1987, ainda durante da ditadura de Pinochet. Assisti de perto um pouquinho da luta do povo contra o autoritarismo quando a cidade ainda era um lugar sombrio e de pessoas desconfiadas. Ter podido voltar à capital chilena quase trinta anos depois e ter encontrado uma cidade solar, alegre, pulsante, que conseguiu superar – sem esquecer – os anos de chumbo da era Pinochet foi uma grande alegria.
Población La Victoria, 1987
Ato contra a ditadura, Paseo Ahumada, 1987
Embora este não seja um post sobre política, mas sobre viagem, acredito que valha a pena registrar que viajar no tempo também é uma forma bastante prazerosa de viajar – principalmente quando a viagem no tempo nos faz acreditar que às vezes as coisas mudam para melhor.
Santiago hoje tem mais de 6,5 milhões de habitantes em sua região metropolitana. É uma cidade que, apesar de não estar livre das contradições de uma grande metrópole de um país capitalista, é limpa, arborizada, com um sistema de metrô bastante eficiente e cheia de pontos turísticos os mais variados e interessantes. Apesar de ser uma movimentada metrópole, é uma cidade que ainda preserva vários bairros com características interioranas, como tranquilidade e silêncio, ao mesmo tempo em que abriga vários bairros boêmios. Além disso, Santiago é uma cidade ideal para se conhecer edifícios históricos, visitar museus e parques, desfrutar de visões panorâmicas e comer bem. Como cereja do bolo, a capital chilena tem uma vibrante vida cultural e está rodeada de vinícolas que produzem vinhos de excelente qualidade.
PALACIO DE LA MONEDA
Acredito que qualquer passeio por Santiago deve começar pelo Palacio de La Moneda, sede da Presidência, do Ministério do Interior, da Secretaria Geral da Presidência e da Secretaria Geral do Governo do Chile. No dia 11 de setembro de 1973 esse palácio ficou tristemente famoso mundialmente por ter sido atacado pelas forças armadas, que através de um golpe de Estado derrubaram o presidente Salvador Allende, eleito três anos antes pela coalizão de partidos Unidad Popular. Ao perceber que as forças leais ao governo não seriam suficientes para conter o golpe militar, Allende preferiu se suicidar a ter que se entregar e trair o povo.
O palácio tem este nome porque foi projetado para ser a Casa da Moeda na época em que o Chile era uma colônia espanhola, mas só passou a existir oficialmente como Casa da Moeda em 1805. Com a independência, foi nesse palácio que foram cunhadas as primeiras moedas do Chile independente.
Construídas com pedras muito grandes, suas paredes chegam a medir mais de 1m de largura. A intenção foi dar à construção a resistência necessária aos frequentes abalos sísmicos que ocorrem em Santiago. Intenção que, a propósito, foi bem sucedida, já que o Palacio La Moneda é uma das poucas construções da era colonial que ainda permanecem em pé na capital chilena.
Durante o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973, o edifício foi fortemente bombardeado por canhões do exército e por aviões da força aérea chilena. As balas de canhão e bombas atirados no palácio provocaram vários danos ao prédio incêndios em várias de suas alas, destruindo não só parte do prédio como também valiosos documentos da história do Chile, como, por exemplo, a Ata de Independência do Chile, de 1818.
Durante a ditadura militar, o ditador Augusto Pinochet mandou fechar o Salão da Independência com um muro de concreto, com o objetivo de impedir que esse salão continuasse como um símbolo de luta para o povo chileno. Da mesma forma, ele mandou retirar as lanternas e os grandes portões que havia nas entradas do palácio. A tradicional porta pela rua Morandé 80 também foi lacrada e o Salão Independência, onde morreu Salvador Allende, foi eliminado da construção.
Após o fim da era Pinochet – que deixou o poder em 1990 –, com a redemocratização do Chile, o edifício foi repintado em sua cor original, que era branco gelo. Em 2003, quando o golpe militar fez 30 anos, uma passagem para pedestres que havia no interior do palácio e a porta pela rua Morandé foram reabertas. Por essa porta o presidente pode entrar no palácio tranquilamente, sem ter que usar o portão principal, onde inevitavelmente ele tem que receber as honras da Guarda. Simbolicamente, é também por onde saem os presidentes ao término de seu mandato.
Atualmente, o palácio é um dos lugares do Chile mais visitados pelos turistas. Além de sua importância histórica, em dias alternados, às 10h da manhã, acontece na frente dele a cerimônia da troca de guarda, um evento em que militares fardados marcham e ocupam o posto dos militares que estavam em serviço. A troca é feita acompanhada de uma banda de música e atrai bastante a atenção do público, principalmente crianças.
Tanto para turistas chilenos quanto para estrangeiros que conhecem minimamente a história recente do Chile, existe uma carga emocional e simbólica bastante grande nessa cerimônia, através da qual militares rendem homenagem à democracia e ao Estado de Direito. Esse sentimento é particularmente intenso quando nos deparamos com a homenagem a Salvador Allende, no local provável de sua morte, no interior do palácio.
É possível visitar o Palacio de La Moneda por dentro, percorrer seus salões, contemplar sua mobília e obras de arte e conhecer um pouco da sua história. A visita é gratuita e acompanhada de um guia. Para isso é necessário fazer um agendamento através do site http://visitasguiadas.presidencia.cl/. É recomendável agendar com alguma antecedência porque existe uma fila de espera relativamente grande.
PLAZA DE ARMAS
Subindo duas quadras na Calle Morandé e dobrando à direita, na Calle Compañía de Jesús, chegamos à Plaza de Armas, base da conformação urbana da cidade, quadrilátero a partir do qual foi traçado o desenho inicial da cidade de Santiago. Na verdade, os conquistadores espanhóis fundaram as cidades coloniais com um padrão arquitetônico comum, semelhante a um tabuleiro de xadrez ou plano de grade, um desenho urbano cuja origem remete ao acampamento militar romano da Antiguidade. Esse modelo, utilizado na Idade Média para assentamentos militares, foi aplicado na América por suas vantagens do ponto de vista da defesa e por facilitar uma distribuição justa dos terrenos, que eram geometricamente iguais, aos colonos. Não é maneira de dizer, portanto, quando alguém afirma que a Plaza de Armas é o “coração” da cidade.
Foto do site Tomas Aereas
Na prática, ela é o centro político, social, econômico e religioso da cidade desde a Conquista. Todos os festivais públicos eram realizados lá, assim como as procissões religiosas. Durante o período colonial, também aconteciam nessa praça os exercícios militares em que os habitantes da cidade exibiam seus dotes bélicos. E até 1821, quando foi ordenada a transferência do mercado para o setor norte da cidade, a Plaza de Armas era também o centro comercial de Santiago.
Paseo Ahumada, quase na interseção da Plaza de Armas com Calle Compañía de Jesús
Catedral Metropolitana e Edifício Plaza de Armas, na interseção da Plaza de Armas com o Paseo Puente
Esquina da Plaza de Armas com a Calle Merced
Plaza de Armas com a Catedral Metropolitana ao fundo
O lado oeste da praça sempre foi usado para funções eclesiásticas. É o lugar está a Catedral Metropolitana, sede da Arquidiocese de Santiago e o principal templo católico romano no país. A igreja atual, na verdade, foi a quinta a ser construída no local. Sua obra foi iniciada em 1748, mas só foi declarada oficialmente concluída em 1800, quando foram concluídas suas torres. Entre 2005 e 2006, seu altar-mor e sua cripta foram restaurados. Durante as obras, foram encontrados os restos mortais de Diego Portales, um dos personagens mais importantes no processo de formação da república chilena.
Foto de Livia e Gabriel Lorenzi
Do lado esquerdo da catedral fica a Parroquia de El Sagrario. Desde 12 de fevereiro de 1541, quando o espanhol Pedro de Valdivia fundou oficialmente a cidade colonial de Santiago del Nuevo Extremo, ficou estabelecido que nesse lugar seria construída a primeira Igreja da cidade. O templo atual só foi projetado no final do século XVIII, e só foi inaugurado como paróquia em março de 1863. E mesmo depois de sua inauguração uma obra de aperfeiçoamento foi encomendada ao arquiteto Ignacio Cremonesi, que só a concluiu em 1905, com a aparência que apresenta até hoje.
Desde a primitiva capela de 1541 até a entrega da igreja restaurada em 1905, vários episódios marcaram a igreja do Sacrário, como a sua destruição, ainda no século XVI, em meio a uma rebelião indígena. (Aliás, a resistência dos povos indígenas no Chile, tanto contra a colonização espanhola quanto contra a república europeizante é algo que vale conhecer para além de um simples passeio turístico.)
Apesar de seu longo processo de construção, e de ter passado por diversos arquitetos, a Parroquia el Sagrario possui um estilo arquitetônico e decorativo que é bastante harmônico em relação à Catedral. É essa harmonia que explica que além do acesso frontal que permite a entrada pela Plaza de Armas exista uma porta de entrada lateral a partir da área sul da catedral.
Um fato curioso é que a paróquia é dedicada à Virgen del Carmen (N. S. do Carmo). A imagem da santa venerada em seu interior foi esculpida entre 1826 e 1828 em Paris, para a devoção privada de José Ramón de Ossa y Mercado (1787-1867), grande caudilho e empresário da mineração em Copiapó, 1.000 km ao norte do Chile, onde foi prefeito, e fundador do primeiro banco chileno. Após sua morte, a imagem foi transferida para a Basílica do Salvador, em Santiago, onde permaneceu por mais de cem anos. Após um terremoto, em 1985, a Basílica foi fechada e a imagem transferida para seu atual local na Parroquia del Sagrario.
Após vários anos sem grandes intervenções, entre 2000 e 2004 mais uma grande restauração foi realizada, em função dos danos causados terremotos. Nessa nova restauração, as pinturas do teto originais foram limpas, as pinturas murais que haviam sido repintadas foram recuperadas e aspectos técnicos como amplificação e iluminação foram aprimorados. Após a restauração, em 2006, o edifício que foi declarado Santuário Arquidiocesano dedicado a Nossa Senhora do Carmo, Rainha e Mãe do Chile.
Por todas essas características e pelo lugar que o edifício ocupa na história religiosa do Chile, a Parroquia de El Sagrario foi declarada Monumento Histórico em janeiro de 1975.
O lado sul e o lado leste da praça eram tradicionalmente usados para o comércio, o que continua ocorrendo até hoje. O Portal Fernández Concha, construído na segunda metade do século XIX para esse fim, está voltado para a Plaza Sur, que também encontra o Portal Bulnes, que fica no lado leste da praça. O lado norte da Praça sempre serviu a funções relacionadas ao poder político.
Campeonato de xadrez em frente ao Portal Bulnes (acima) e Portal Fernández Concha (abaixo)
No sentido leste-oeste fica a Municipalidad de Santiago (Prefeitura). Apesar de ter sofrido reformas, o prédio atual corresponde ao edifício que foi construído para ser a sede do Cabildo no final do século XVIII. Depois, há o antigo Palacio de la Real Audiencia, do início do século XIX, que hoje abriga o Museu Histórico Nacional. Por fim, havia a Casa del Gobernador del Reino de Chile, sede do governo até 1846, quando foi transferida para o Palacio de La Moneda. No final do século XIX esse edifício foi substituído pelo que hoje é a agência central dos Correios.
Municipalidad de Santiago (foto de Penarc)
Museo Histórico Nacional
Agência central de Correios e, à esquerda, o Edifício Plaza de Armas refletindo a Catedral Metropolitana
Ao redor da Plaza de Armas existem, ainda, vários outros edifícios históricos, mas, infelizmente, nosso mau hábito de fazer viagens longas com muitos lugares num mesmo roteiro – hábito do qual não consigo me livrar – não permitiu que déssemos mais atenção a eles.
Por ser o “coração” da cidade, pela Plaza de Armas circulam constantemente tanto moradores de Santiago e visitantes chilenos quanto turistas estrangeiros. Além de sua importância histórica, política e religiosa, ela abriga também atividades culturais as mais variadas. Por isso, serve tanto como local de lazer e descanso quanto como ponto de partida para quem quiser percorrer o centro da capital chilena.
MUSEO CHILENO DE ARTE PRECOLOMBINO
Considerado um dos melhores do Chile, o Museo Chileno de Arte Precolombino tem um acervo significativo do legado de antigas civilizações pré-colombianas. É importante lembrar que a história da América registra diversos episódios de resistência indígena à colonização. Para além da pesquisa arqueológica e antropológica que visa ao resgate da herança e permanência cultural dos povos pré-colombianos, há uma dívida ainda não paga da civilização ocidental-cristã-europeia para com esses povos que museus como o Museo Chileno de Arte Precolombino é apenas uma parte muito pequena. No caso do Chile, em particular, o longo processo de resistência indígena mapuche ainda é uma histórica inconclusa.
Felizmente, já não são poucos – não apenas no Chile, mas também na Argentina, no Peru, Bolívia... – os museus dedicados à arte e cultura pré-colombiana, entre instituições públicas e particulares. Apenas na grande Santiago, por exemplo, temos como exemplos o museu Gente de la Tierra Mapuche/Andino, no interior das dependências da vinícola Viña Undurraga, e do Museo Andino da Fundación Claro Vial, cujas instalações ficam dentro de outra vinícola, a Viña Santa Rita. Neste último a entrada é gratuita.
Museo Chileno de Arte Precolombino
MERCADO CENTRAL
A pouco mais de 500m da Plaza de Armas fica outra atração imperdível – o Mercado Central de Santiago. Um dos locais mais visitados pelos turistas, principalmente aqueles apaixonados por peixes, frutos do mar, legumes, frutas, verduras, artesanato e restaurantes. A atração mais famosa do Mercado Central é a famosa centolla, o famoso caranguejo gigante, prato tradicional do lugar. O preço dos restaurantes e o ambiente não costumam agradar a todos, mas, em minha opinião, não faz muito sentido ser turista e sair em busca do que você já conhece pelo preço que você sempre paga.
PARQUE FORESTAL
Saindo do Mercado Central à direita, pela Av. Ismael Valdés Vergara, chegamos ao Parque Forestal, espaço de 3 km² ideal para caminhar e relaxar. Cercado de árvores e jardins, o Parque Forestal é o coração verde bairros charmosos como Lastarria e Bellas Artes. Ele começa na Estación Mapocho, um edifício histórico e cultural próximo à estação Cal y Canto do metrô, e, acompanhando parte do curso do Rio Mapocho, vai até a Plaza Baquedano, também chamada de Plaza Italia. No final do parque, junto à Plaza Baquedano, está a elegante Fuente Alemana, obra do escultor alemão Gustav Eberlein inaugurada em 12 de outubro de 1912 pela comunidade chileno-alemã.
Na verdade, o Parque Forestal parece ser mais frequentado pela população local do que por turistas, o que confere a ele um ar doméstico bastante interessante – principalmente para o tipo de turista que, como eu e Márcia, preferimos sempre que possível participar do cotidiano dos lugares que visitamos.
Próximo a ele há uma boa oferta de restaurantes nas ruas que o conectam com a Alameda O’Higgins. Além disso, com um pouco de sorte você pode presenciar no Parque Forestal alguma das várias atividades artísticas e culturais que costumam acontecer por lá.
Calle Montijas, no encontro com Calle Merced, nos limites do Parque Forestal
Plaza Baquedano, nas imediações da Fuente Alemana
MUSEO NACIONAL DE BELLAS ARTES
Se você, como nós, ama as artes plásticas, o Museo Nacional de Bellas Artes é uma visita imperdível. Com mais de 5 mil peças em sua exposição permanente, ele fica no meio do Parque Florestal.
Criado para divulgar a arte que começava a florescer no país, o Museo Nacional de Bellas Artes começou a reunir seu acervo na segunda metade do século XIX. Desde 1880 suas obras passaram por diferentes edifícios, até que, finalmente, em 1990, foi inaugurado o local atual para, enfim, abrigar uma coleção de arte que se iniciou com 140 peças, mas que já hoje conta com mais de 5 mil obras.
O acervo do museu não abriga apenas obras de arte chilenas. Também fazem parte de sua coleção trabalhos italianos dos séculos XV a XVII, um vasto número de pinturas espanholas, assim como esculturas africanas. Mas o rico acervo do museu não é sua única atração. Vale a pena prestar atenção à belíssima arquitetura do prédio.
O acesso ao Museo Nacional de Bellas Artes é gratuito. Ele fica aberto de terça a domingo, das 10h às 18:45.
CERRO SANTA LUCÍA
Se você estiver no Museo de Bellas Artes, o Cerro Santa Lucía está a uma caminhada de cerca de 350m. Ele é, na verdade, um pequeno parque urbano, com praças, uma fonte e escadarias que levam a um mirante localizado no topo e que proporciona um belo visual panorâmico da região central da cidade, tendo como pano de fundo a Cordilheira dos Andes.
Localizado a poucos passos do centro cívico de Santiago, Cerro Santa Lucía é um ícone histórico e cultural da cidade e da Região Metropolitana. Os mapuches o chamavam de Huelén, palavra que em mapudungún (o idioma mapuche) significa melancolia, tristeza ou dor. Essa colina de 69m. de altura, distribuída por 65.300m², originalmente era uma rocha acidentada que servia como mirante porque de seu topo se tinha uma visão panorâmica do território.
As fontes históricas indicam que foi nesse lugar que o espanhol fundou Pedro de Valdivia a cidade de Santiago, desprezando sua denominação indígena e o rebatizando de Santa Lucía, em 1541. Durante grande parte do período colonial o morro manteve seu caráter natural, embora tenha sido iniciada sua intervenção com a construção de fortificações.
No final do século XIX, o prefeito Benjamín Vicuña Mackenna deu início a um grande projeto de urbanização que foi aplicado a Santiago por ocasião da celebração do Centenário da República. Em função disso iniciou-se em 1872 um plano de modernização e remodelação do monte, projeto que incluiu a construção de uma via de acesso e uma passagem secundária, a construção de uma capela de estilo gótico no topo, várias pequenas praças, jardins e fontes, bem como a arborização do local com diversas espécies vegetais. O Forte Hidalgo foi convertido em castelo e grandes terraços foram construídos.
Em 1902, o arquiteto Víctor Villeneuve construiu o acesso principal ao morro, que também agregou construções neoclássicas ao conjunto arquitetônico existente, que se ampliou ao longo do século XX. Em 1971, Fernando Daza criou um mural de cerâmica em homenagem à poeta Gabriela Mistral, Prêmio Nobel de Literatura de 1945, que até hoje faz parte das atrações do morro. Em 1983 o Cerro Santa Lucía foi declarado Monumento Histórico Nacional, por ser considerado um dos grandes vestígios da história urbana da cidade.
Homenagem a Pedro de Valdivia
Homenagem à poeta Gabriela Mistral
Plaza Benjamin Vicuña Mackenna
CENTRO CULTURAL GABRIELA MISTRAL
Também conhecido como GAM, o Centro Cultural Gabriela Mistral é um grande espaço de arte e cultura que conta com dez s
alas de exposição que têm sempre uma agenda cheia de atrações. Entre várias outras razões para visita-lo, o GAM tem um centro de artes cênicas de 22 mil m², considerado o mais moderno do Chile. Em seu calendário você poderá encontrar obras de arte, teatro, dança, música e exposições. Além disso, ele tem uma excelente biblioteca, salas de estudo, café, enoteca, livraria e loja de antiguidades.
Como eu já havia indicado no início desta postagem, o Centro Cultural Gabriela Mistral é um desses lugares de memória da cidade de Santiago que têm como uma de suas funções não deixar esquecer o horror da ditadura de Pinochet. E ele o faz da melhor maneira possível: através da arte e da cultura, que os ditadores tanto abominam.
Esse edifício foi, como nenhum outro, um grande agente durante um período da nossa história recente do Chile, marcado pela polarização ideológica, política e de divisão social. Construído como um símbolo do “homem novo” durante o governo de Salvador Allende, após o golpe militar de 1973 ele se tornou a sede do governo do regime do general Pinochet. Durante as três décadas seguintes ele permaneceu fechado para a cidade. Para garantir a segurança que o fato de ser a sede do governo exigia – e, mais tarde, ainda como Ministério da Defesa de quatro governos posteriores – esse edifício passou à condição de não muito querido pela população por sua biografia um tanto “bipolar”, segundo os arquitetos que promoveram a sua remodelação.
Em 2006 um incêndio na ala leste do edifício destruiu completamente o Grande Salão, construído para abrigar duas mil pessoas. Isso acarretou a decisão do governo da então presidenta Michelle Bachelet de promover um concurso internacional de arquitetura cujo resultado foram sua aparência e funções atuais, inauguradas em 2010.
Na sequência, abaixo, trecho da estrutura do GAM, criada pelo escritório Cristián Fernández Arquitectos; "Mural-colectivo Ramona Parra", de Christiane Hoth (2012); saguão principal do GAM; réplica de peixe de vime do artesão Manzanito (2010); "Tercer Mundo", de Sergio Castillo (1972), obra restaurada pelo próprio artista, que faleceu em 2010; e "Chile", de José Venturelli (1972).
Sobre o peixe de vime, uma informação é essencial para entender a importância política e cultural do GAM. O original, de 1972, fazia parte de um conjunto de peças criadas pelo artesão Luis Manzano Cabello (1906-1984), conhecido como Manzanito. O conjunto fazia parte de uma série maior do autor, construída para o edifício UNCTAD III (escritório no Chile da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Os peixes pendiam do teto do casino (refeitório) do prédio.
Com o golpe de Estado de 1973, o edifício se converteu na sede da Junta Militar encabeçada pelo general Augusto Pinochet e muitas das obras que existiam lá foram retiradas, algumas delas se perdendo. Em 2010 algumas dessas obras foram recuperadas e outras foram refeitas. A réplica do peixe que agora faz parte do saguão do GAM é feita em vime branco sobre uma estrutura metálica de 180 kg, com 9,9 m de comprimento com 1,85 m de diâmetro, realizada pelo artesão Julio Rodríguez.
CERRO SAN CRISTÓBAL/PARQUE METROPOLITANO
Uma das melhores opções para quem quiser ter uma visão panorâmica de Santiago do alto é o Cerro San Cristóbal, além de ganhar de bônus o belo Parque Metropolitano. Em dia claro (ainda não tivemos essa sorte) é possível admirar os edifícios, a geografia de Santiago e o trecho da Cordilheira dos Andes que circunda a cidade.
O Parque Metropolitano é o maior do Chile e um dos maiores do mundo. Além de proporcionar uma vista espetacular da cidade, o parque ainda conta com um jardim zoológico, acessos através de um funicular e de um teleférico, piscinas enormes e várias trilhas para caminhadas.
Se você optar por subir ao Cerro San Critóbal pelo funicular, e se o seu roteiro for parecido com o nosso, a partir do Centro Cultural Gabriela Mistral siga pel Alameda O’Higgins até a Plaza Baquedano. De lá, pegue a Av. Vicuña Mackenna, à esquerda, e cruze o Rio Mapocho. Continue em frente pela Calle Pío Nono, continuação da Vicuña Makenna até o final. Para saber mais detalhes sobre o trajeto do funicular, os horários e preços, veja aqui.
Se você preferir o teleférico, recomendo dar uma olhada no post sobre o passeio no blog Meus Roteiros de Viagem, já que na nossa ida mais recente a Santiago ele ainda não tinha sido inaugurado. Houve uma primeira linha, que funcionou entre 1980 e 2009, mas foi desativada devido a problemas mecânicos. Com isso, a cidade ficou sete anos sem uma de suas principais atrações turísticas.
O atual serviço foi inaugurado em novembro de 2016 com um sistema totalmente novo, mais moderno e mais seguro, que ainda não pudemos experimentar. Esse novo serviço dispõe de 47 cabines com capacidade para 6 pessoas cada, além de módulos adaptados para carrinhos de bebê, bicicletas e cadeiras de roda. O percurso é de 4 km, com duração de cerca de 15 minutos ida e volta. Ele conta com três pontos de acesso – as estações Oasis, Tupahue e Cumbres –, que podem ser acessados a partir das estações Baquedano ou Pedro de Valdivia do metrô, ambas da Linha 1 (vermelha).
BARRIO BELLAVISTA E BARRIO PROVIDENCIA
Ao acessar o Cerro San Cristóbal é quase certo que você vá passar pelo Barrio Bellavista, pelo qual vale a pena passar não apenas de passagem, mas uma tarde ou noite. Área boêmia da cidade, cheia de bares, boates e restaurantes, é ótima opção para quem estiver disposto a curtir um barzinho, jantar em um ambiente charmoso e curtir a atmosfera alegre.
Meu conselho é começar pelo Patio Bellavista, um ponto de encontro criado em 2006, onde convergem gastronomia, atividades culturais, lojinhas de produtos típicos chilenos, de arte e design. Conhecido como “a porta de entrada do Barrio Bellavista”, por estar na intercessão entre esse bairro e o bairro Providencia, esse espaço tem mais de 10 mil m² atrações imperdíveis.
Restaurante La Casa en El Aire, no Patio Bellavista. Atrás do cantor, um grafite retrata o cantor, compositor, instrumentista, professor e diretor de teatro Víctor Jara, que teve suas mãos quebradas e em seguida foi assassinado com 44 tiros e depois jogado num terreno baldio no dia 16 de setembro de 1973, cinco dias depois do golpe militar liderado por Augusto Pinochet
Providencia, por sua vez, se destaca pelo comércio, pela presença de restaurantes e bares mais sofisticados e por atividades de negócios. A propósito, é nesse bairro que fica a Gran Torre Santiago, o maior edifício da América do Sul, com 300m de altura. Em seus primeiros seis andares, esse edifício abriga o Shopping Costanera Center, mas sua principal atração é o observatório panorâmico chamado Sky Costanera, que se tornou um dos principais pontos turísticos de Santiago.
Infelizmente, nossos horários não bateram com o horário de funcionamento do observatório – razão, entre muitas outras, para voltarmos a Santiago. Mas os relatos são de que nos dias claros e de boa visibilidade a vista que se tem do observatório é simplesmente espetacular.
Segundo esses relatos, do alto do mirante, composto por dois pisos (um fechado e outro aberto), é possível ter uma visão de 360 graus da capital chilena. Outros edifícios da cidade ficam bem abaixo do observatório e a gigante Cordilheira dos Andes ao fundo torna a paisagem muito especial, principalmente quando seus picos estão com neve. O local funciona todos os dias e a cada hora é realizada uma visita guiada, que é excelente para entender um pouco da cidade, conhecer seus pontos turísticos e sua história.
Uma dica de quem já visitou o observatório, e que pode fazer toda a diferença, é visitar o mirante em um dia de céu bem aberto, de preferência depois de um dia de chuva, porque nessas condições o ar está menos poluído e a visibilidade é bem melhor. Outra dica boa é visitar o local no fim da tarde, porque assim você pode admirar o pôr do sol lá do alto. A entrada para adultos custa $10.000 (R$ 66,83 na cotação de 10/10/2021). Às quartas-feiras, o preço diminui para $7.500 (R$ 50,12). O ingresso também pode ser comprado pela internet, evitando-se, assim, a perda de tempo em uma fila.
PARQUE QUINTA NORMAL
Do outro lado da cidade, no famoso Barrio Yungay, está localizado o Parque Quinta Normal, que além de belíssimo oferece um bom leque de atividades culturais. Com 40 ha de extensão, foi declarado em 1976 “Santuário da Natureza”. É um excelente lugar para fazer uma caminhada, além de convidar adultos e crianças para as mais variadas atividades de lazer. Para as crianças, por exemplo, existe um belo lago artificial onde é possível passear de pedalinho.
Além disso, no interior da Quinta Normal existem três museus que vale a pena visitar: o Museo Ferroviario, o Museo de Historia Natural e o Museo de Ciencia y Tecnología. Fora das dependências do parque, mas muito perto dele estão também a Biblioteca de Santiago, o Museo Artequin e o Centro Cultural Matucana 100, além do imprescindível e necessário Museo de la Memoria y los Derechos Humanos.
Se você, como nós, vier do Costanera Center, a melhor opção é o metrô. Na estação Tobalaba, peque o trem da Linha 1 (vermelha) no sentido San Pablo e desça na estação Baquedano. Em seguida, pegue a Linha 5 (verde) no sentido Plaza de Maipú e desca na estação Quinta Normal.
Museo Nacional de Historia Natural
Museo de Ciencia y Tecnología
Museo Artequin
MUSEO DE LA MEMORIA Y LOS DERECHOS HUMANOS
No início desta postagem afirmei que era impossível turistar por Santiago sem falar de política e sem conhecer um pouco da história recente do Chile. Voltei a tocar no assunto quando cometei sobre o Centro Cultural Gabriela Mistral. Mas acredito que não há melhor lugar para conhecer a história recente do país e entender suas transformações desde a década de 1970 até hoje que o Museo de la Memoria y los Derechos Humanos.
Em seus três pisos, você entrará em contato direto com emocionantes relatos, fotografias, vídeos, os mais variados tipos de gravação em áudio e vídeo, arquivos de imprensa, documentos do governo e documentos pessoais que homenageiam as milhares de vítimas de violações dos direitos humanos ocorridas no Chile entre 1973 e 1990, período da ditadura de Augusto Pinochet. O museu, que comove durante todo o percurso, foi inaugurado em 2010 pela ex-presidente Michelle Bachelet – atualmente, alta comissária da ONU para os direitos humanos – durante seu primeiro mandato.
O Museo de la Memoria y los Derechos Humanos fica na Av.Matucana 501, bem em frente à estação Quinta Normal do metrô e ao principal acesso ao Parque Quinta Normal.
Pátio interno, com Santuario Cristo Pobre ao fundo
Durante nossa visita no início de 2016, o museu apresentou os trabalhos vencedores do Concurso Mala Memoria Ilustración, segunda versão de uma experiencia iniciada em 2013, em colaboração com do coletivo Balmaceda Arte Joven, que premiaria canções que homenageassem as pessoas detidas e desaparecidas da ditadura de Pinochet que nunca tivessem recebido nenhuma homenagem pública. Em 2015, se decidiu realizar uma segunda versão do concurso, dessa vez voltado para a ilustração.
O museu, então, realizou uma convocatória nacional entre os meses de abril e junho daquele ano dirigida a jovens de 18 a 25 anos, os convidando para ilustrar algum episódio de violação ou de defesa dos direitos humanos, ou ainda um ato da luta por democracia ocorrido entre 1973 e 1990. Desta forma, ao mesmo tempo que tomaria conhecimento de novos talentos artísticos, o público rememoraria fatos históricos e a luta de resistência chilena em favor da democracia e dos direitos humanos.
A banca, formada por desenhistas e ilustradores respeitados, escolheu 24 das 180 ilustrações inscritas. Destas, foram premiados os três primeiros lugares e conferidas duas menções honrosas. A premiação aconteceu no dia 10 de dezembro de 2015, na data em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando foi inaugurada uma exposição da qual participaram todas as 24 ilustrações selecionadas.
Embora essa tenha sido uma exposição temporária, que você muito provavelmente não terá a oportunidade de ver nem no museu nem em outro espaço, a não ser com muita sorte, achei que valeria a pena reproduzir aqui alguns desses 24 trabalhos, que dão uma dimensão bastante interessante da importância e da relevância do Museo de la Memoria y los Derechos Humanos. Os contextos são condensações dos resumos apresentados pela própria equipe do museu ao lado da identificação dos trabalhos.
Allanamiento (Invasão), de Rodrigo Añores Contreras González
Contexto: A partir do golpe militar de 11 de setembrode 1973, habitantes de favelas, vilas e
acampamentos são perseguidos e submetidos à vigilância e invasões. Suas organizações são duramente reprimidas e nos primeiros anos da década de 1980, como resposta à crise econômica e ao desemprego, se multiplicam as panelas comuns e os refeitórios solidários. As associações de moradores tecem centenas de redes de ajuda, com frequência com a ajuda das paróquias locais.
Bim Bam Bum, Bang Bang Bang, de Felipe Ignacio Gaytán Vilugrón
Contexto: Durante o período ditatorial se produziram profundas transformações na vida boêmia de Santiago. Das épocas míticas do espetáculo noturno da capital chilena se passou a uma era de menor intensidade e frequência de tais práticas. Tudo isso aconteceu em um marco permanente de vigilância e repressão dos lugares e sujeitos que tentaram dar outra cara a esse período.
A abertura e fechamento dos espaços e sua relevância como lugares de vida noturna tiveram um significado especial durante os anos 80 como rejeição à ditadura. Mas, com a instauração do período democrático, a vida boêmia da cidade se reconfigurou sob o prisma do medo da noite ou terror noturno.
En Memoria de Marta Ugarte, de Mariana Alejandra Arellano Rosas
Contexto: Marta Ugarte foi uma professora detida, desaparecida e assassinada pela Dirección de Inteligencia Nacional (DINA) durante a ditadura. Seu cadáver, horrivelmente torturado, foi jogado ao mar de um helicóptero dentro de um saco, aparecendo na praia de La Ballena, em Los Molles, a 182 km ao norte de Santiago, tendo sido noticiado pela imprensa chilena, que ocultou sua identidada ou deu o corpo como desconhecido.
Uma investigação da Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación chelena chegou à conclusão de que Marta Ugarte foi detida, assassinada e jogada ao mar por agentes do Estado e que seu cadáver apareceu na praia por azar de seus executores.
Enfermedad Crónica Nacional, de Pablo Ignacio Mozó Araya
Contexto: Durante o regime militar chileno, a tortura se constituiu em prática habitual. A tortura era um meio sistemático para se obter informação e governar através do medo, inspirando um temor e duradouro nas vítimas imediatas e, através delas, em todos os que tomam conhecimento direto ou indireto dessas práticas.
Em geral, as vítimas são submetidas a distintos métodos, cujo impacto é multiplicado pelo uso alternado.
Himno Para Recordar, de María Ignacia Martínez Vial
Contexto: Logo depois do golpe de Estado, os militares usaram o Estadio Chile como centro de detenção e torturas. No dia 12 de setembro de 1973, um dia depois do golpe, foram levados para suas instalações os primeiros 600 prisioneiros políticos, trazidos da Universidad Técnica del Estado. No dia 16 de setembro foi assassinado o cantor e compositor Jíctor Jara, depois de ter sido submetido a sessões de tortura por membros do exército chileno. O estádio atualmente tem o nome desse artista.
La Inmolación de Sebastián Acevedo, de Nicolás Gonzalo Acevedo Avendaño
Contexto: No dia 9 de novembro de 1983 civis armados que não se identificaram detiveram Galo e María Candelaria, filhos de Sebastián Acevedo Becerra. Ele, pai desesperado, os procura em diferentes lugares e solicita ajuda em numerosas instâncias, suspeitando que se encontram em poder da CNI (Central nacional de Informaciones).
Em 11 de novembro, sem ter notícias deles, em sinal de protesto e para pressionar as autoridades, embebe a roupa com parafina e gasolina na praça, em frente à Catedral de Concepción e quando un carabinero (policial) tenta detê-lo, ateia fogo ao próprio corpo, morrendo em poucas horas em consequência das queimaduras.
Pausa para descanso e compreensão de que turismo não é enxergar beleza apenas no certo e arrumadinho, mas também nas lutas que fazem com que um povo se orgulhe do que é seu. Concluo no próximo post.
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